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Poesia vital de Adriana Lisboa é um respiro em meio a mundo asfixiante

Autora, que participa da Flip, se aproxima da natureza sem buscar que ela se torne metáfora do ser humano

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Maria Esther Maciel

O Vivo

Avaliação:
  • Preço: R$ 45,90 (84 págs.)
  • Autoria: Adriana Lisboa
  • Editora: Relicário

Entrar na esfera do que se configura como força vital, transformando essa experiência em um fluxo de palavras também vivas é o movimento que atravessa as páginas de "O Vivo", quarto livro de poesia de Adriana Lisboa, autora que participa da Flip na próxima sexta-feira.

Tendo em vista o cenário sombrio que impera em nosso planeta, especialmente no Brasil, onde as práticas necropolíticas se juntaram a uma devastação perversa e programada da natureza, pode-se dizer que os 49 poemas que compõem a primorosa edição da Relicário fazem um contraponto necessário a esse quadro por meio da delicadeza e da empatia, sem prescindirem de um olhar crítico e contundente sobre as relações entre a espécie humana e o mundo natural.

A escritora brasileira Adriana Lisboa, autora de 'O Vivo' - Lucero

Animais, plantas, flores, pedras, águas, ventos, entre outros seres e elementos da natureza são o principal foco da autora, sem que sejam convertidos em meras metáforas do humano ou pretextos para as elucubrações de ordem teórica.

Os viventes não estão ali para significar algo que os ultrapassa, mas vêm à tona como sujeitos que compartilham conosco a experiência da vida, cada um com sua singularidade e suas formas próprias de existência. Integram o que a própria Lisboa, evocando Ailton Krenak, chamou de "caleidoscópio da vida".

A via de acesso da poeta a esse caleidoscópio é menos pela razão do que pelas "palavras do coração" —no sentido dado a elas por Jacques Derrida no fragmento que serve de uma das epígrafes do livro.

Isso porque a autora sabe que, embora haja um conjunto de estudos científicos sobre os viventes nos campos da zoologia, da botânica e da etologia, tais conhecimentos se mostram insuficientes, já que o espaço íntimo das alteridades não humanas não se deixa apreender apenas pela investigação racional. Ele demanda, sim, outro tipo de entendimento, pautado nos sentidos, na empatia e na imaginação.

Daí a importância dada pela poeta à sensorialidade e ao exercício dos afetos, para que se torne possível uma aproximação mais verdadeira com esses outros.

O que fica explícito no poema intitulado "Cachorro", que contrasta as especulações da ciência sobre as faculdades visuais dos caninos com a troca de olhares entre uma mulher e um cão: "mas quando toco a ponta/ do meu nariz no seu/ e nossos olhos olhares se entrançam/ não há ciência/ talvez não haja nem mesmo história/ o que vê a mulher no cachorro e o que vê / na mulher o cachorro".

Se vários poemas apresentam nomes científicos de aves, anfíbios e plantas, como no "plumbato auriculata", focado no arbusto "bela-emília", com remissões afetivo-familiares, outros já se voltam para os atos de crueldade contra os animais, a exemplo do poema "outro vivo", que trata das experiências de laboratório com cães e ratos, da "lagosta escaldada viva" e do "boi eviscerado".

A esse repertório ainda se somam os poemas centrados na lastimável situação política do Brasil, a exemplo de "O Povo Foi às Ruas", "Bandeira" e "No Caminho do Templo".

Diálogos explícitos e implícitos com outros poetas também aparecem em diversas partes do livro, seja através de epígrafes, seja pelas referências inesperadas que permeiam alguns poemas, vide "Um Peixe Lê Drummond" e "Lida dos Cinquent’anos".

Para não mencionar o uso criativo que a autora faz de um artigo de jornal sobre um novo sofrimento climático chamado "solastalgia", que assola os habitantes do Ártico. Aliás, o poema com esse título, além de impressionante, é o mais longo de todos.

Assim, com uma linguagem límpida, imagética e sonora, Adriana Lisboa constrói um livro coeso, no qual a beleza se inscreve não apenas na tessitura verbal, mas também na maneira com que as questões éticas, políticas e ecológicas do nosso tempo são abordadas.

Ao convocar todas as formas de vida à coexistência e celebrar "o ar que inventa o pulmão", "O Vivo" chega como um respiro, um alento em meio à asfixia da realidade.

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