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Ailton Krenak crê que a pandemia faz pensar sobre a nossa extinção

Maior desafio de autor indígena é chegar aos rincões onde a ideia principal ainda é 'passar a boiada'

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A Vida Não É Útil

  • Preço R$ 29,90 (128 págs.); R$ 19,90 (ebook)
  • Autoria Ailton Krenak
  • Editora Companhia das Letras

O lançamento de “A Vida Não É Útil”, do ambientalista Ailton Krenak, mostra definitivamente que o principal mérito da sua escrita é também seu ponto fraco —e por fraqueza, aqui, estamos falando de vulnerabilidade, não de falta de virtude.

Com este, que é seu terceiro livro publicado, Krenak mostra que pode e quer falar para todo mundo, sem distinção. Sua prosa é fluida, coloquial e por vezes até didática, mas sempre na medida certa.

O encadeamento de ideias, que pula de um assunto para outro, é tão suave que o leitor quase não se dá conta de que já se está tratando de outro tema, invariavelmente tão pertinente quanto o primeiro.

Porque Krenak também tem disso –uma habilidade patente para escolher batalhas. Assim como em “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, do ano passado, o escritor não perde tempo com divagações sem propósito. Ele sabe bem quais feridas quer cutucar.

ailton krenak
O escritor e líder ambientalista Ailton Krenak - Mathilde Missioneiro/Folhapress

E mora aqui, na assertividade do discurso, juntamente com a acessibilidade daquilo que produz, o tal flanco exposto de Krenak. Porque fala para todos, está também aberto para todos. E, em tempos de polarização absoluta, há sempre o risco de haver atiradores em meio ao todo.

Embora ataque o agronegócio, a Amazon, a Tesla, a Vale do Rio Doce, não é por elas que Krenak se fragiliza. O autor se expõe, isto sim, ao falar do que muita gente ainda não quer ouvir –que talvez sejamos nós, os seres humanos, a grande praga do planeta.

Já no início de “A Vida Não É Útil”, desenvolvido em boa parte na pandemia da Covid-19, Krenak aponta que o vírus serve também para lembrar a humanidade de sua arrogância. A urgência estaria em nos darmos conta de que não somos especiais coisa nenhuma e que podemos até habitar este mundo, mas é preciso que isso se dê de outra maneira.

Basta de nos viciarmos no novo, diz Krenak, num sistema “em que qualquer besteira anunciada vira mania”. Devoradores da Terra, os humanos, para o autor, depois vão “comer a Lua, comer Marte”.

A menos que entendamos, como ele escreve ter feito, que a pandemia não é uma situação-limite, e sim um ajuste de foco para decidirmos se apertamos ou não o botão da autoextinção.

“A Vida Não É Útil” é dividido em cinco capítulos, sendo o melhor deles “Amanhã Não Está à Venda”, em que Krenak compartilha detalhes de seu isolamento, critica Jair Bolsonaro, fala de necropolítica e explica que o coronavírus deveria nos fazer abandonar o antropocentrismo. Afinal, o vírus vem dizimando a humanidade, não os ursos ou as plantas.

Ligeiro e ao mesmo tempo profundo, com citações que vão de Foucault a Sidarta Ribeiro e Caetano Veloso, o livro aponta ainda que a sustentabilidade, para ser efetiva, não pode ser uma decisão individual, e sim coletiva.

Em resumo, um sucesso garantido entre aqueles que já começaram a despertar para a emergência do planeta. Mas, como pregar para convertidos é fácil, o maior desafio de Krenak é chegar aos rincões onde a ciência é menosprezada, e a ideia principal continua sendo “passar a boiada”.

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