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'Armageddon Time', na Mostra de SP, fala sobre as dores de amadurecer

Filme de James Gray retrata a amizade de dois garotos em meio às tensões da Nova York dos anos 1980

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Armageddon Time

Avaliação: Ótimo
  • Quando: Em cartaz na Mostra de SP: Cine Marquise, qua. (26), às 21h; Espaço Itaú Frei Caneca, ter. (1), às 21h10 e qua. (2), às 16h
  • Classificação: 16 anos
  • Elenco: Banks Repeta, Anthony Hopkins e Anne Hathaway
  • Produção: Estados Unidos, Brasil, 2022
  • Direção: James Gray

Nova York, 1980. O Sugarhill Gang colocava o hip-hop nas periferias das grandes cidades com o hino "Rapper's Delight", usando a batida de "Good Times", do Chic. A febre disco começa a murchar, dando lugar a outras manifestações culturais.

No campo político, Ronald Reagan entrava na reta final de sua campanha para presidente dos EUA, numa ascensão da direita religiosa e conservadora que tem muitos paralelos com a eleição de Donald Trump.

Cena do filme 'Armageddon Time', deJames Gray, que será exibido na Mostra de Cinema de São Paulo de 2022 - Divulgação

Nesse cenário encontramos Paul Graff, menino de 11 anos interpretado por Banks Repeta que se dá mal na escola porque não se encaixa no neoliberalismo que começava a dar as caras. Ele queria ser artista, num momento em que ser artista começava a ser "coisa de vagabundo".

O filme é "Armageddon Time", o mais recente de James Gray, exibido no Festival de Cannes mais recente e agora na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Paul estuda em escola pública, e lá conhece Johnny, um menino negro interpretado por Jaylin Webb, morador de periferia que deseja ser astronauta. Eles desenvolvem uma forte amizade, mas o senso de pertencimento começa a fazer cada vez mais diferença num ambiente contaminado pelo conservadorismo mais tacanho, mesmo na mais progressista Nova York.

Paul é de família judaica. Não se dá muito bem com os pais, Irving (Jeremy Strong) e Esther Graff (Anne Hathaway), mas adora o avô Aaron, personagem tocante vivido por Anthony Hopkins. É do avô, aliás, boa parte das grandes falas do filme, ensinamentos que o jovem Paul respeita e procura seguir quando lhe é possível.

Temos assim duas operações marcantes em "Armageddon Time". Uma é de ruptura —ou, vá lá, um movimento em direção a uma ruptura —com a obra pregressa de seu diretor; a outra é de continuidade.

A de ruptura mostra abertamente o universo infantil, em que mesmo o crime se reveste de uma travessura inocente. Embora dessa inocência se parta para uma observação sobre o racismo na sociedade americana, é um filme sobre rito de passagem, e por isso o que se sobressai de grave é atenuado pelo olhar infantil.

Isto é de certo modo novo na obra de Gray, ainda que ele já tivesse lidado com a ideia de ensinamento de uma pessoa bem mais jovem em "Fuga para Odessa" e com adultos infantilizados em outros filmes, notadamente o personagem de Joachim Phoenix em "Amantes" e um pouco o Percy de "Z: A Cidade Perdida", vivido por Charlie Hunnam.

A continuidade é justamente o trabalho de Gray com a dor do amadurecimento. Antes ela costumava atingir homens crescidos como o imigrante veterano de "Era Uma Vez em Nova York" ou o astronauta de "Ad Astra", ou mesmo os adultos mencionados no parágrafo anterior. Agora ela está toda no álter ego do diretor, o menino de 11 anos cujo dom artístico não encontra apoio familiar.

Nesse processo, Gray trata de deixar as coisas mais sutis do que o comum nesse tipo de filme. Paul Graff é obrigado pelos pais, embora por sugestão do adorado avô, a se transferir para uma escola muito rígida, daquelas em que meninos usam terno e gravata. Uma vez lá, percebemos o treinamento para as crianças se transformarem em adultos supremacistas brancos. Não à toa, a família Trump é patrona da escola.

Mas é nessa mesma escola conservadora que encontraremos a primeira professora que reconhece o talento do garoto. Ela repete que é para ele desenhar o que fora pedido, mas elogia o traço e a criatividade do aluno.

Do mesmo modo, encontraremos matizes negativas em Johnny, já que é ele que apresenta maconha para Paul, além de incentivar a desobediência na sala de aula.

É tolice dizer que o filme é racista por isso. Ele mostra um ambiente em que uma criança negra normalmente cresce num país em que supremacistas ainda podem ser eleitos presidentes. A observação de personagens racistas —os colegas da nova escola ou mesmo os pais de Paul - não provoca a adesão do filme a essas posições.

É um tanto óbvio, mas a moda agora é acusar, fazer uma obra passar pelo crivo das agendas progressistas, num movimento bem equivocado, geralmente injusto, em direção a um posicionamento político sem ambiguidades, e por isso geralmente mais pobre no lado artístico.

Não estamos diante de um dos longas mais fortes de James Gray. Mas o cineasta é um dos maiores autores do cinema contemporâneo. Um filme menor com sua assinatura ainda tem qualidades que o espectador não verá facilmente em outros lugares.

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