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Livro de Luiz Antonio Simas é uma gota a mais de encanto no mundo

Rio de Janeiro do autor é uma cidade negra que luta para não ser demolida por genocídio e gentrificação

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Shisleni de Oliveira-Macedo

Educadora e tradutora

Crônicas Exusíacas e Estilhaços Pelintras

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 54,90 (208 págs.)
  • Autoria: Luiz Antonio Simas
  • Editora: Civilização Brasileira

O Rio de Janeiro de Luiz Antonio Simas não é a Cidade Maravilhosa, tampouco a cidade das milícias e dos fuzis. Não é o tipo de cidade que as versões televisivas e atualizadas do antigo jornal Notícias Populares despejariam nas nossas casas todos os dias.

O professor Luiz Antonio Simas na Bienal do Livro do Rio - Eduardo Anizelli/Folhapress

É um Rio bem mais tranquilo, que tem malandragem, óbvio, tem filosofia no jogo do bicho, tem também samba, Carnaval e macumba. É um Rio negro, de tradição, história, religião e música negra.

O Rio de Simas é uma cidade negra. E talvez por isso mesmo seja um Rio que luta para não desaparecer demolido e pavimentado pelo desencantamento do mundo, pelo genocídio e pela gentrificação.

Luiz Antonio Simas tem uma longa lista de obras publicadas e um Prêmio Jabuti. Tem diversas músicas gravadas por intérpretes de renome e já foi tema de samba-enredo da Acadêmicos da Abolição. "Crônicas Exusíacas e Estilhaços Pelintras" conta com 77 textos curtos, entre crônicas, causos, pequenos ensaios e alguns "estilhaços", aforismos soprados ao ouvido por Zé Pelintra, as "pelintrações".

Com ele, caminhamos pela história cotidiana do Rio e encontramos muitas personagens famosas em suas ruas. Descobrimos também que compartilhamos o medo do "homem dos boletos" e, sobretudo, do "homem de bem temente a Deus".

Como um vício de quem vive de palavras, Simas mostra, por meio das várias conexões linguísticas que faz ao longo do livro, o quanto a maneira como nos expressamos reflete nossa constituição histórica. Explica, por exemplo, como o verbo "embalar" —o movimento que fazemos quando temos no colo um bebê—, vem provavelmente das línguas quimbundo e quicongo. Assim como "nenê" viria provavelmente do umbundo —todos idiomas falados em Angola.

Tudo isso enquanto Neros, Carlotas Joaquinas e outras personalidades baixam dos mais variados momentos da história do mundo no corpo de alguém, no meio de um terreiro carioca. São muitos os encantados das ruas. "Está vivo tudo o que ainda canta e é cantado", diz ele.

Reencantar o mundo é um movimento político de povos desterrados —pela diáspora, pelo êxodo forçado, pela exploração predatória do agronegócio e dos eventos megalomaníacos— e bruxas perseguidas —curandeiras, aborteiras e sacerdotisas.

Quando foram sequestradas no continente africano, pessoas negras tiveram sua história, cosmologia e genealogia destroçadas, sendo arrastadas para o terror racial das Américas. Deram voltas e mais voltas na árvore do esquecimento, foram batizadas com nomes impronunciáveis, tiveram que cultuar santos desconhecidos.

Isso é um tipo de morte, um "encanticídio", como escreve Simas: "um projeto cotidiano de destruição do encanto fundado no rancor, na obtusidade, no combate à pluralidade e na propagação da violência física e simbólica como prática de uma política não poética."

Cada terreiro escondido numa quebrada ou no meio do mato, cada batuque e cada reza passada para a frente reestabelece um vínculo de sangue com esse patrimônio, o resgata dos escombros. Esse movimento garante vida, constrói uma narrativa que não seja apenas uma história de sofrimento, subjugação e humilhação.

"Foi o Carnaval que inventou um país possível e original, às margens do projeto de horror que historicamente nos constituiu", diz Simas. Esse livro é uma gotinha mais de reencanto neste mundo.

O desconforto está, justamente, no encantamento que derrama sobre todos nós. Em uma sociedade tão racialmente violenta, o que significa ser uma pessoa branca profundamente entranhada em cultura negra? Nesse mundo desencantado, quem é que pode, não apenas impunemente, mas laudatoriamente, enunciar-se e encantar assim?

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