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Conheça nove lições da psicologia essenciais para entender a era Trump

Jornalista resume respostas de especialistas em comportamento que ajudam a compreender o mundo atual

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Brian Resnick

[RESUMO] Jornalista que acompanha a área de psicologia fez aos maiores especialistas em comportamento humano variações da pergunta “que diabos está acontecendo nos Estados Unidos?”. As respostas estão neste texto. Se preferir, leia o artigo original em inglês, publicado no dia 25 de abril no site Vox.com. 

 

Em janeiro de 2017, quando o então secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, tentou afirmar que a posse do presidente Donald Trump teve o maior público da história, a sensação foi de início de uma nova e sombria era da política e da vida pública.

À medida em que foi amadurecendo, a era Trump de política conservadora passou a se definir cada vez mais pelo tribalismo, pelo medo e pelo estilhaçamento de nosso senso de uma realidade compartilhada.

E é bastante desorientador.

Passei boa parte dos últimos anos cobrindo a área de psicologia política, fazendo aos maiores especialistas em comportamento humano variações da pergunta "que diabos está acontecendo nos EUA?". Por sorte, num momento em que realmente precisamos de respostas, eles frequentemente as oferecem.

Estas são as lições das ciências sociais a que venho recorrendo constantemente para me ajudar a explicar o que está acontecendo nos Estados Unidos na era Trump.

Em janeiro de 2017, dois cientistas políticos da Universidade Brigham Young criaram um teste que se aproveitava da falta de coerência de Trump na maior parte dos assuntos. Os pesquisadores queriam ver se os eleitores do presidente o seguiriam de qualquer forma, pouco importando aonde seus caprichos o levassem. Assim, logo depois da posse, conduziram um experimento online com 1.300 republicanos.

O estudo era bem simples: os participantes precisavam classificar seu grau de apoio ou de rejeição a políticas como o aumento do salário mínimo, o acordo nuclear com o Irã, restrições no acesso ao aborto, verificações de antecedentes para compradores de armas e assim por diante.

Um terço dos participantes leu frases que atribuíam a Trump uma posição associada ao campo progressista. Por exemplo: "Aumentar o salário mínimo [de US$ 7,25 por hora] para mais de US$ 10 por hora. Donald Trump disse que apoia essa política. E quanto a você? Você apoia ou não o aumento do salário mínimo para mais de US$ 10 por hora?".

O grupo de controle viu as mesmas perguntas, mas elas não citavam Trump. Por fim, as questões dirigidas ao outro terço dos participantes atribuía ao presidente uma posição associada aos conservadores.

A probabilidade de que os participantes favorecessem uma política progressista era maior quando eram informados de que Trump a apoiava. Eles seguiam o líder.

"A conclusão é que o público, o republicano médio existente nos EUA, não impedirá Trump de fazer o que quer que ele deseje", disse Jeremy Pope, um dos coautores do estudo.

Experimentos passados envolvendo progressistas constataram efeito semelhante. A probabilidade de que um progressista apoiasse uma política conservadora crescia quando ele era informado de que seus líderes favoreciam a medida em questão. E é possível que, quando as pessoas estão mudando de ideia dessa maneira, elas nem mesmo estejam cientes de que estão mudando de ideia.

A lição disso tudo: mesmo que Trump seja um presidente em geral impopular, ele ainda tem imenso poder para influenciar as opiniões de milhões de pessoas que o apoiam.

Mas também é importante não superestimar a dimensão do efeito que isso provoca nas mentes dos eleitores de Trump. Não é como se eles tivessem sofrido uma lavagem cerebral completa e suas convicções anteriores tivessem sido substituídas pelos caprichos do líder.

A verdade é que muita gente não pensa com tanta frequência, ou com tanta profundidade, em políticas públicas. Se confrontados com uma questão difícil como "o que você pensa sobre a política tributária?", é comum que a substituamos por uma versão mais fácil: "O que os líderes do meu partido dizem sobre política tributária?". É um atalho cognitivo. E todos nós o usamos.

"Os atalhos podem ser uma ideologia política, a religiosidade ou a deferência à autoridade científica", disse Dominique Brossard, pesquisadora sobre comunicações na Universidade de Wisconsin. "Acatamos a orientação de organizações e instituições que nos ajudam a compreender as coisas."

Mas vale lembrar: é possível ser parcial —por exemplo, predisposto a acreditar no que cientistas têm a dizer sobre o aquecimento global— e ao mesmo tempo estar certo.

Ilustração de capa da Ilustríssima - Adriana Conti Melo

4. As pessoas são capazes de compreender fatos inconvenientes, mas é difícil garantir que elas se importem

Quanto a isso, há boas notícias: é possível usar a verificação de fatos para estimular as pessoas a acreditar na verdade. Mas também a má notícia: as pessoas não tomam decisões com base em fatos.

Em estudo recente, o cientista político Brendan Nyhan e colegas constataram que eleitores de Trump estavam dispostos a admitir que ele deturpa os fatos. "Mas isso não tinha muito efeito sobre o que as pessoas sentem a respeito dele", disse Nyhan.

Na verdade, pesquisas mostram que as pessoas que sabem mais fatos sobre política tendem a ser mais teimosas e parciais. Não usamos nossa inteligência para chegar à verdade. Em vez disso, "as pessoas usam seu raciocínio para serem atores socialmente competentes", disse Dan Kahan, psicólogo da Universidade Yale.

Para expressar de outra maneira: sofremos muita pressão para satisfazer as expectativas de nossos grupos e, quanto mais inteligentes somos, mais usamos nossa capacidade intelectual para esse fim.

Em seus estudos, Kahan costuma apresentar aos participantes diferentes tipos de problemas matemáticos. Quando a questão é apolítica —por exemplo, saber se um medicamento é efetivo—, as pessoas tendem a usar sua capacidade matemática para resolvê-la. Mas quando estão avaliando algo político —digamos, a efetividade de medidas de controle de armas—, o conhecimento matemático deixa de importar.

E isso não se aplica só a problemas matemáticos. Kahan constatou que os republicanos que têm nível mais alto de conhecimento científico são mais teimosos quando o assunto é a mudança do clima. O padrão é firme: quanto mais informação temos, mais a empregamos para servir aos nossos objetivos políticos.

Esse é outro ponto em relação ao qual o debate sobre as fake news é enganoso: as divergências entre as pessoas não desapareceriam subitamente se todo mundo dispusesse de informações verdadeiras sobre um determinado assunto.

5. É extremamente difícil mudar a opinião política de uma pessoa argumentando com ela

A resposta à polarização e às divisões políticas não é simplesmente expor as pessoas a um ponto de vista diferente.

Recentemente, pesquisadores das universidades Duke, de Princeton e de Nova York pagaram a uma amostra substancial de usuários democratas e republicanos do Twitter para que lessem mais opiniões do outro lado. "Não encontramos nenhum indício de que o contato intergrupos na mídia social reduza a polarização política", escreveram os autores.

Ao contrário, os republicanos que participaram do experimento se tornaram mais conservadores ao longo do teste. Os progressistas se tornaram ligeiramente mais progressistas.

Uma teoria psicológica conhecida como "fundações morais" pode ajudar a explicar por que nossos argumentos costumam fracassar tão espetacularmente em convencer os outros a mudar de ideia.

A teoria das fundações morais é a ideia de que as pessoas têm uma visão moral estável, instintiva, que influencia sua visão de mundo. As fundações morais dos progressistas incluem igualdade, equanimidade e proteção para os vulneráveis. As fundações morais dos conservadores favorecem lealdade ao grupo, pureza moral e respeito à autoridade.

O fato é que com frequência não percebemos que as pessoas têm fundações morais diferentes das nossas. Quando nos envolvemos em debates políticos, tendemos a superestimar o poder dos argumentos que nos parecem convincentes e acreditamos, incorretamente, que eles convencerão o outro lado.

Em um estudo, os psicólogos Robb Willer e Matthew Feinberg solicitaram a cerca de 200 participantes, progressistas e conservadores, que escrevessem um texto com o objetivo de mudar a opinião de oponentes políticos sobre casamento homossexual ou sobre tornar o inglês o idioma oficial dos Estados Unidos.

Quase todos os participantes cometeram o mesmo erro. Apenas 9% dos progressistas usaram argumentos que refletiam os princípios morais dos conservadores; apenas 8% dos conservadores apresentaram argumentos que teriam alguma chance de mudar a opinião de um progressista. Não admira que seja tão difícil mudar a opinião de alguém.

Em resumo: ao argumentar com alguém, tratar a pessoa com empatia ajuda.

6. O medo de serem substituídas é um motivador poderoso para as pessoas brancas

Nos EUA, tem havido um desconfortável renascimento do nacionalismo branco, e pessoas que temem multinacionalismo e imigração estão depreciando o país.

É fácil imaginar que esses medos sejam abomináveis e estejam confinados apenas aos extremistas. Eles também existem, porém, em grau menor, entre as pessoas comuns e até mesmo entre pessoas que podem não se considerar racistas.

O medo de forasteiros, o medo de ser substituído e o antagonismo racial se tornaram fator importante de instigação política. Entre os millennials brancos, 41% votaram em Trump. Nesse grupo, os cientistas políticos notaram que a sensação de que os brancos estão perdendo espaço para outras raças é dominante.

Em experimentos, quando participantes brancos são lembrados de que as minorias étnicas formarão a maioria da população dos Estados Unidos em apenas algumas décadas, eles começam a simpatizar menos com pessoas de outras raças. Um teste chegou a demonstrar que lembrar os brancos dessa tendência aumentava o apoio a Trump.

"Pessoas que se consideram não preconceituosas (e progressistas) demonstram os efeitos dessa ameaça", disse Jennifer Richeson, uma das mais importantes pesquisadoras sobre vieses raciais e responsável por boa parte dessa pesquisa.

Quando pessoas ouvem sobre o crescimento populacional de outro segmento, “surge uma sensação de competição entre os grupos, da qual só um poderá sair vitorioso”, disse Maureen Craig, colaboradora de Richeson. Ao ouvir sobre a ascensão de um dado grupo, elas automaticamente temem o declínio de seu próprio. Isso acontece até entre pessoas bem intencionadas. 

Isso não significa que todos os brancos sintam um antagonismo racial extremo. Mas sim que o medo é um recurso a que os políticos podem recorrer com muita facilidade. Quando tememos, não pensamos. O medo dirige nossas ações e nos estimula a crer em quem diz que derrotará aquilo que tememos.

Também há um fato a considerar: informação negativa e assustadora é quase sempre mais duradoura e memorável do que informação positiva. Além disso, tendemos a exagerar o grau de ameaça representado pelas pessoas de que não gostamos. 

Um estudo publicado em 2012 demonstra muito bem esse fato. O teste era simples: os pesquisadores pediram que pessoas estimassem a distância em linha reta entre Nova York e a Cidade do México. Os participantes que expressaram mais animosidade em relação aos imigrantes mexicanos tendiam a estimar uma distância centenas de quilômetros menor do que a estimada por pessoas que se sentiam menos ameaçadas. 

Políticos astutos percebem que o medo motiva e lapidam mensagens que o alimentem. É difícil culpar as pessoas por terem medo. É nossa natureza. Mas podemos culpar os políticos por se aproveitarem disso.

7. É extremamente fácil perder a sensibilidade diante do sofrimento alheio

Seria justificável pensar que, a cada vez que vemos alguém ser morto com arma de fogo ou que somos lembrados de que existem milhões de refugiados e pessoas sem abrigo em todo o mundo, nossa empatia cresce, assim como nossa tristeza.

Mas não. É humano que, com o tempo, fiquemos entorpecidos.

Há um conceito psicológico profundo e irritante que pode ajudar a explicar porque nos sentimos cada vez mais apáticos diante de tragédias de combustão lenta como os homicídios em massa cometidos por atiradores americanos. É o seguinte: conforme o número de vítimas cresce, nossa empatia e nossa disposição de fazer alguma coisa diminui.

A tendência é conhecida como “entorpecimento psíquico”. Ela descreve de que forma desastres se tornam abstrações em nossas mentes e como as abstrações são facilmente atenuadas ou mesmo ignoradas.

“Não existe valor constante para a vida humana”, disse Paul Slovic, psicólogo da Universidade do Oregon e maior especialista no tema. Em entrevista, ele disse que “o valor de uma só vida diminui diante do pano de fundo de uma tragédia maior”.

Em estudo recente, Slovic e colegas pediram aos participantes que avaliassem quão dispostos estariam a doar dinheiro para crianças carentes. Bastou elevar o número de vítimas de uma para duas para que o valor doado e a empatia diminuíssem.

Em outro experimento, Slovic constatou que os participantes tinham menos disposição de agir para salvar as vidas de 4.500 pessoas num campo de refugiados se o campo tivesse 250 mil moradores do que se tivesse 11 mil, embora as 4.500 vidas devessem ter o mesmo valor em qualquer contexto. É irritante. 

8. Fake news exploram nossos vieses

Mentiras, teorias da conspiração e notícias inventadas não são novidade na história humana. Mas hoje, com ajuda das redes sociais, elas se difundem em velocidade alarmante. E suas consequências são terríveis.

As fake news são muito perniciosas exatamente porque exploram nossos vieses. “As notícias falsas têm formato perfeito para difusão: causarão choque e surpresa, manipularão as emoções das pessoas —é a receita para difundir desinformação”, disse Miriam Metzger, pesquisadora sobre comunicações na Universidade da Califórnia em Santa Barbara.

Recentemente, a revista Science publicou estudo que valida essa sensação —pelo menos quanto à difusão de desinformação via Twitter. 

Mas talvez ainda mais importante seja o que o estudo revela sobre o fator responsável por alimentar o ímpeto das notícias falsas. Não se trata de contas influentes do Twitter ou de robôs russos. São usuários reais, com poucos seguidores, que têm a maior probabilidade de enviar notícias falsas a amigos. E isso talvez se deva a um motivo simples: histórias falsas costumam ser mais surpreendentes que as verdadeiras.

O frustrante é que algoritmos como o do YouTube para recomendação de vídeos, o do Facebook e o de notícias do Google News muitas vezes promovem reportagens falsas.

A cada vez que um leitor encontra uma dessas reportagens, ela lhe causa uma impressão sutil. A história se torna mais familiar a cada vez que é vista e isso gera a ilusão de que seja verdadeira. Os psicólogos definem essa situação como “efeito da verdade ilusória”. É a simples constatação de que quanto mais uma mentira for repetida, mais provável se torna que as pessoas acreditem nela. 

Quando você ouve alguma coisa pela segunda ou terceira vez, seu cérebro responde a ela mais rápido. “O cérebro interpreta essa fluência erroneamente como um sinal de que aquilo é verdade”, diz Lisa Fazio, psicóloga que estuda aprendizado e memória na Universidade Vanderbilt.

9. Teorias da conspiração podem ter escapado ao controle, mas são uma reação específica a um mundo sombrio e incerto

Talvez a consequência mais funesta dessa estranha era seja a facilidade com que circulam teorias da conspiração —muitas cruéis e destrutivas. A dor que infligem pode ser imensa. 

Até hoje, pais de crianças assassinadas na escola de Sandy Hook [em 2012] são acusados de inventar a história toda (o que inclui até a existência de seus filhos). Considere a agonia da família de Seth Rich, funcionário do Comitê Nacional Democrata morto em uma aparente tentativa de assalto em 2016.

A despeito de uma completa ausência de provas, os adeptos de teorias conspiratórias e alguns comentaristas republicanos influentes continuam a alimentar a suspeita de que o assassinato foi orquestrado pela direção da campanha de Hillary Clinton. 

“A morte de Seth foi transformada em peteca política”, escreveram os pais de Rich no Washington Post. “A cada dia encontramos novas manchetes, novas mentiras, novos erros factuais, novas pessoas que nos procuram para tentar tirar vantagem de nós”, afirmaram. (E pode ter certeza de que a esquerda também espalha teorias da conspiração.)

Indiscutivelmente, Trump —que por anos inflamou a teoria de que Barack Obama não nasceu nos EUA— coloca lenha na fogueira.

Asheley Landrum, psicóloga da Universidade Texas Tech que pesquisa sobre o raciocínio motivado, me disse em dezembro: “Trump, ao tentar combater e deslegitimar a mídia, criou um ambiente no qual teorias da conspiração são a norma”. Landrum explica que essas teorias são uma forma de raciocínio motivado.

Mas também há um modo mais simpático de encarar os adeptos de teorias conspiratórias: “É um mecanismo de autodefesa que as pessoas têm”, me disse Jan-Willem van Prooijen, psicólogo que estuda o tema. As teorias são um instrumento por meio do qual as pessoas sentem exercer mais controle e que as ajuda a encontrar explicações sobre um mundo assustador e turbulento.

As pessoas que se sentem impotentes e que são mais pessimistas têm maior probabilidade de acreditar em teorias da conspiração, de acordo com van Prooijen. E é quanto a isso que esforços de educação e abordagens positivas podem ajudar. Há uma correlação entre um nível educacional mais alto e uma sensação maior de segurança, e isso por sua vez parece propiciar proteção contra uma mentalidade conspiratória.

A imagem de crianças abatidas a tiros em uma escola é horrível. Por que não buscaríamos refúgio em uma teoria que sustenta que as coisas não são assim tão ruins? 


Brian Resnick é repórter especializado em cobertura de ciência do site Vox.com, onde este texto foi originalmente publicado no dia 25 de abril como "9 Essential Lessons From Psychology to Understand the Trump Era".

Adriana Conti Melo é artista visual.

Tradução de Paulo Migliacci 

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