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Leia trecho de livro inédito de Peter Handke, o mais recente Nobel

'Ensaio sobre a Jukebox', novela que tem como foco a própria escrita, sai pela Estação Liberdade em dezembro

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Peter Handke

[SOBRE O TEXTO] “Ensaio sobre a Jukebox”, novela de autoficção do mais recente vencedor do Nobel, tem como foco a própria escrita. Usando como motivo recorrente a figura da jukebox e suas encarnações simbólicas, o autor tematiza o tempo, a linguagem e a impossibilidade do encontro com a realidade. O livro sai pela Estação Liberdade em dezembro.

Ilustração - Vânia Medeiros

No sonho, surgiam centenas de pessoas. Um general, ao mesmo tempo também plagiador de Shakespeare, suicidava-se de tristeza ante o estado do mundo. Uma lebre corria através de um campo, um pato nadava rio abaixo. Uma criança se perdia, ante os olhos de todos. Ouvia-se dizer que os moradores da aldeia morriam, de hora em hora, e o padre só dedicava todo seu tempo aos funerais. (Peculiar o papel que os boatos têm nos sonhos – aquilo não era dito nem era ouvido, apenas penetrava, silenciosamente, pelos ares.) O sangue que escorria do nariz do avô cheirava a pelo de cachorro molhado. Uma outra criança chamava-se “Espírito”. Agora, alguém anunciava, em voz alta, a importância do ouvir nos tempos atuais. 

No dia seguinte – o tempo continuava chuvoso e, segundo os jornais, a província de Soria era aquela onde fazia mais frio em toda a Espanha – ele se preparou para sua caminhada de despedida pela cidade. 

(...)

Enquanto se afastava, rapidamente, ele olhava para trás, de longe, por sobre o ombro e via, assim, aquela moldura cinzelada “ao ar livre”, para usar a expressão de Karl Valentin – e ainda mais claramente aquelas molduras que tinham sido deixadas vazias. Aquele edifício, tão largo quanto baixo (todos os blocos residenciais à sua volta eram mais altos do que ele), e com o céu acima, era precisamente a representação de uma ideia de arte e de arquitetura, apesar dos caminhões que passavam por ali, rugindo. Aquele edifício, tão diferente das fachadas paralisadas dos edifícios em seu entorno, parecia um mecanismo de musicbox, que funcionava justamente em seu silêncio, e que soava. Ocorreu-lhe que, àquela época, oitocentos anos antes, pelo menos na Europa, enquanto vigoravam aquelas formas, a história da humanidade, particular tanto quanto geral, tinha sido maravilhosamente explicada. Ou será que aquilo era apenas a aparência exterior daquela forma que penetrava em toda parte (e não de um simples estilo)? Mas como tinha sido alcançada uma forma como aquela, tão real quanto infantil, e tão conciliadora? 


Peter Handke é um escritor, dramaturgo e roteirista austríaco. Venceu o Nobel de Literatura neste ano.

Tradução de Luís Krausz.

Ilustração de Vânia Medeiros, artista visual.

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