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'Vêm aí dias piores', diz austríaca em poema de antologia inédita

Leia três poemas de Ingeborg Bachmann, que terá obra lançada pela Todavia

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Ingeborg Bachmann

[SOBRE O TEXTO] Os poemas desta página estarão na primeira antologia da autora publicada no Brasil. Organizado por Claudia Cavalcanti, "O Tempo Adiado e Outros Poemas", sai pela editora Todavia em janeiro.

Ilustração - Marcos Garuti

O tempo adiado 
Vêm aí dias piores.
O tempo adiado até nova ordem
surge no horizonte.
Em breve deves amarrar os sapatos
e espantar os cães para os charcos.
Pois as vísceras dos peixes
esfriaram no vento.
A luz da anileira arde pobremente.
Teu olhar pressente a penumbra:
o tempo adiado até nova ordem
desponta no horizonte.

Do outro lado afunda tua amada na areia,
ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante,
ele corta-lhe a palavra,
ele ordena-lhe silêncio,
ele encontra-a mortal
e pronta para a despedida
depois de cada abraço.

Não olha para trás.
Amarra teus sapatos.
Espanta os cães.
Joga os peixes ao mar.
Anula a anileira!

Vêm aí dias piores.

Todos os dias
A guerra não é mais declarada,
mas mantida. O inaudito
tornou-se ordinário. O herói
fica longe das lutas. O fraco
é deslocado para as zonas de combate.
O uniforme do dia é a paciência,
a condecoração, a pobre estrela
da esperança sobre o coração.

Ela é entregue,
quando nada mais acontece,
quando o fogo cerrado emudece,
quando o inimigo se tornou invisível
e a sombra do eterno armamento
cobre o céu.

Ela é entregue
pela fuga diante das bandeiras
pela valentia diante do amigo,
pela traição de segredos indignos
e a não obediência
de toda ordem.

Enigma
Para Hans Werner Henze
da época dos Ariosi

Nada mais vai chegar.

A primavera não virá mais.
Assim nos antecipam calendários milenares.

Mas também o verão —e tudo o que tem nomes tão bons
quanto “veraneio”—
nada mais vai chegar.

E não hás de chorar por isso,
diz a música.

Nada
mais
foi
dito.


Ingeborg Bachmann, escritora austríaca (1926-73), alcançou fama como poeta já na estreia, com "Die Gestundete Zeit" ("O Tempo Adiado"), de 1953; foi também prosadora, dramaturga e roteirista.

Tradução de Claudia Cavalcanti, germanista formada em Leipzig, editora e tradutora, organizou e traduziu edições de poemas de Georg Trakl e Paul Celan (ambos pela Iluminuras).

Ilustração de Marcos Garuti, artista visual e ilustrador.

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