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Descrição de chapéu The New York Times

Martin Sorrell quer construir um novo império de publicidade

Considerado um dos homens mais poderosos do setor no passado, Sorrell fundou nova empresa depois de saída polêmica da WPP

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David Segal
The New York Times

Martin Sorrell costuma desdenhar a ideia de que a vingança agora é parte de sua estratégia de negócios. Mas deve ter curtido um momento de "como é doce dar o troco", em julho de 2018, quando sua nova companhia, S4 Capital, anunciou sua primeira transação.

No passado definido como o homem mais poderoso do setor publicitário, Sorrell havia fechado um negócio minúsculo pelos seus padrões: uma fusão de US$ 350 milhões com a MediaMonks, uma produtora de conteúdo digital muito elogiada, sediada em Amsterdã.

Martin Sorrell, ex-presidente da WPP, durante o Fórum Econômico Mundial - Ruben Sprich- 17.jan.2017/Reuters

Não era o valor da transação que propiciava o sabor de revanche, e sim a concorrência. Um dos candidatos que Sorrell derrotou foi a WPP, holding que ele dirigiu por 32 anos antes de ser ruidosamente ejetado apenas três meses antes do anúncio do novo negócio.

O WPP foi criado por Sorrell e era a obra de sua vida, resultado de uma onda de aquisições ininterrupta que em determinados momentos parecia mais compulsiva do que cuidadosa. Começando do zero em 1985, ele criou o maior conglomerado mundial de publicidade, uma coleção de cerca de 400 empresas com 130 mil empregados em 112 países, e valor de mercado de US$ 19 bilhões no começo de 2018.

Como fundador e líder máximo desse império vasto e um tanto excêntrico, ele apresentou diversas variações de uma mesma previsão: só deixaria o WPP no caixão.

Em lugar disso, ele saiu na bronca, aos 73 anos.

Tudo aconteceu em abril de 2018, pouco depois do início de uma investigação sobre o que um porta-voz da companhia definiu na época como "uma imputação de conduta pessoal indevida".

Meses mais tarde, um dos grandes focos da investigação emergiu: determinar se Sorrell havia usado dinheiro da empresa indevidamente para pagar por um encontro com uma prostituta em um hotel do elegante bairro londrino de Mayfair. Ele negou a acusação, quando ela surgiu.

"Não é verdade", disse Sorrell em uma entrevista no palco do Festival Internacional Cannes Lions de Criatividade, em junho do ano passado.

Àquela altura, ele já havia chocado o mundo da publicidade ao anunciar sua renúncia. Explicou, posteriormente, que a confiança entre ele e o conselho havia sido destruída pela condução que este deu à investigação, cujo resultados finais nunca foram divulgados.

Quando a empresa por fim pediu a Sorrell que ele repusesse mais de US$ 200 mil em despesas, elas se referiam a excursões de esqui, viagens da mulher dele e itens para seu apartamento em Nova York. Não havia menção de um encontro com uma prostituta.

Alguns antigos colegas, a maioria dos quais falando sob a condição de que seus nomes não fossem citados, acreditam que o ponto real da investigação fosse compelir Sorrell a discutir sua aposentadoria, assunto tornado mais urgente por uma desaceleração no desempenho do WPP iniciada em 2017. As ações da empresa caíram em cerca de 35% nos 12 meses que precederam a renúncia do executivo.

Sorrell nunca gostou de descanso, e parece ter concebido a S4 Capital mais ou menos três minutos depois de deixar a WPP. A companhia representa uma tentativa de um epílogo gratificante para um personagem único: um ciclone humano de 1,69 metro de altura, nascido em Londres e educado em Cambridge, famoso por sua energia irreprimível e um estilo de gestão descrito como "exigente" por seus aliados e "intimidador" por seus críticos.

A reputação de Sorrell como chefe exigente e exaustivo não incomodou seus novos sócios. Em entrevista recente, Victor Knaap, presidente-executivo da MediaMonks, disse que as pesquisas da agência sobre Sorrell serviram para revelar sua habilidade profissional e sua rede impressionante de contatos.

Quanto às reclamações sobre seu ritmo maníaco de trabalho, a realidade é que ele é ainda mais intenso do que Knaap antecipava.

"Martin disse em uma entrevista, depois do anúncio do acordo, que tiraria um nanossegundo para curti-lo", disse Knaap. "Continuo à espera daquele nanossegundo".

Apetite por controle

Se a história da série "Mad Men" se estendesse até o final da década de 1980, haveria um personagem baseado em Martin Sorrell. Seria um sujeito britânico tenso, determinado e irritável, com pouco mais de 40 anos - parte pugilista, parte sedutor —, e irritaria os chefões da publicidade ao tomar o controle de suas empresas em aquisições hostis. Quatro das agências reais mencionadas na série— Young & Rubicam, Grey, Ogilvy e J. Walter Thompson — terminaram abocanhadas pelo WPP.

Ainda que o WPP não tenha sido a primeira holding publicitária, provou ser a mais agressiva e, por fim, a maior. Sorrell ajudou a racionalizar um setor que por muito tempo nada teve de racional, para grande benefício dos acionistas e desgosto permanente de muitos criadores de publicidade.

Ele ajudou a eliminar o lado louco da publicidade, dizem esses críticos, impondo disciplina fiscal a um ramo que por muito tempo lutou para acomodar a magia caótica e não quantificável da criatividade.

É difícil controlar aquilo que não pode ser quantificado, e a carreira de Sorrell sempre foi definida por seu apetite por controle. Isso ficou evidente durante duas entrevistas de uma hora de duração cada, para este artigo. Antes de iniciar a primeira, ele exigiu revisar suas declarações antes da publicação, e o contexto em que seriam apresentadas.

Quando lhe foi explicado que o The New York Times não aceitava essas condições, ele não cedeu. Depois de muita negociação, ele concordou em falar, mas apenas se seus comentários fossem parafraseados.

Com seu terno azul e cabelo grisalho aparado com esmero, Sorrell parece aquele cara que explica como as armas funcionam, nos filmes de James Bond. Mas na realidade, ele se diz tão inepto em termos mecânicos que não é capaz nem de trocar uma lâmpada. Embora conhecido com um gigante do setor publicitário, ele raramente discute o aspecto criativo das campanhas.

Fazer negócios é sua paixão. Uma das histórias que ele mais gosta de contar gira em torno de ações preferenciais conversíveis. Ele também adora o lado fofoqueiro do conhecimento, as informações privilegiadas. Em conversa, ele é expansivo, às vezes ranzinza e ocasionalmente engraçado.

Hoje em dia, Sorrell viaja sem parar promovendo a S4. Em conferências e em programas de negócios na TV a cabo, ele nega qualquer interesse em campanhas publicitárias tradicionais, de TV e mídia impressa.

"Somos um negócio puramente digital", ele disse durante uma entrevista durante o evento Advertising Week, em março."Não vamos fuçar com os formatos tradicionais".

A publicidade online é como uma campanha eleitoral sem data de eleição, ele disse durante nossas entrevistas. Roda 24 horas por dia e é altamente reativa. Depende de milhares de itens de conteúdo de baixo custo, e não de um ou dois comerciais de 30 segundos com produção sofisticada, cuja concepção, produção e veiculação podem exigir meses.

Para a Netflix, a MediaMonks editou e adicionou textos a trechos de vídeo da temporada três de "Narcos", uma série sobre traficantes de drogas mexicanos. Uma versão para uma audiência de negócios oferecia um guia engraçado sobre como controlar o negócio da cocaína, ao estilo "Narcos". "Passo nº 2: dominar o mercado", afirma a legenda exibida sobre um vídeo que mostra um homem afogando um rival. Uma versão para os fãs de esportes apareceu sob o título "melhorando seu jogo". O texto dizia: "Passo 2, melhorar a mira", e mostrava um vídeo que mostrava um homem disparando uma metralhadora contra um carro.

Os leitores da edição online do The Wall Street Journal recebem a versão de negócios do anúncio, e os usuários de sites de fitness veem a versão esportiva.

Os anúncios digitais direcionados existem há anos. Mas como Sorrell gosta de dizer, as raízes exclusivamente digitais da S4 evitam que ela afunde ao peso de setores analógicos que continuam a servir de alma a holdings como a WPP.

Esse parece ser um dos modos pelos quais Sorrell se delicia em espicaçar sua ex-empresa. O interesse dele em adquirir a MediaMonks não apenas irritou a WPP: causou ameaça de ação judicial. A empresa argumentou que a ideia de adquirir a companhia surgiu quando Sorrell ainda era seu presidente-executivo, o que significa que a oferta da S4 pela companhia foi uma violação de confidencialidade.

Sorrell foi adiante mesmo assim, e o WPP abandonou a queixa. Em dezembro, a S4 revelou um acordo de US$ 150 milhões com a Mighty Hive, uma empresa de San Francisco que vem ganhando força no negócio de compra de mídia digital.

Quando perguntado se espera concorrer com o WPP um dia, Sorrell disse em diversos contextos que a S4 é um "amendoim" em comparação. E acrescentou, com um sorriso travesso: "Mas preciso admitir que algumas pessoas têm alergia a amendoins".
 

Resultados em declínio e saída súbita

Com patrimônio líquido estimado pelo jornal londrino The Sunday Times em mais de US$ 625 milhões, Sorrell avançou muito, do bairro do noroeste de Londres no qual cresceu como neto de imigrantes da Europa Oriental cujos confrontos com o antissemitismo os levaram a mudar de sobrenome, abandonando o original, Spitzberg. Ele foi sagrado cavaleiro em 2000 e se casou pela segunda vez em 2008, com a economista italiana Cristiana Sorrell.

O período de maior ascensão de sua carreira começou em 1985, quando deixou seu emprego na agência londrina Saatchi & Saatchi, onde trabalhou nove anos como maestro das aquisições. Ele e um sócio adquiriram uma participação controladora na Wire and Plastic Products, uma empresa de capital aberto que fazia cestas para compras, de arame. A companhia logo teve seu nome mudado para WPP e se tornou a célula inicial em uma onda mundial de aquisições.

O WPP se tornou uma potência, caracterizada pela diversidade de seus ativos. Fez diversos investimentos peculiares, alguns lucrativos (Vice) e outros calamitosos (The Weinstein Co.), e Sorrell fez numerosos inimigos ao longo do caminho. David Ogilvy, presidente-executivo derrubado da agência que porta seu nome, o criticou memoravelmente com um palavrão acrescido das palavras "baixinho odioso".

Os atuais e antigos empregados da companhia são quase tão venenosos. Muitos deles dizem que Sorrell humilhava as pessoas ao criticá-las diante de terceiros. Ele se enraivecia tanto com más notícias - um cliente perdido, resultados mornos —que algumas das pessoas encarregadas de transmiti-las tomavam calmantes antes de entrar em seu escritório, de acordo com duas pessoas informadas sobre a questão.

O destino da WPP começou a mudar dois anos atrás, quando os clientes da companhia começaram a reduzir sua verba publicitária para campanhas de TV aberta e mídia impressa. No ano passado, a Procter & Gamble, maior anunciante do planeta, anunciou ter cortado suas verbas publicitárias em US$ 1 bilhão nos quatro anos precedentes. Já que a mídia tradicional respondia por parte considerável da receita do WPP, uma mudança de estratégia se tornou necessária. Mas em reuniões em 2016 e 2017, disseram diversos ex-colegas, Sorrell não tinha ideias convincentes a oferecer.

Em janeiro de 2018, uma queixa foi encaminhada ao conselho da empresa por um denunciante. Um empregado afirmou ter visto Sorrell entrando no número 50 da rua Shepherd Market, endereço conhecido como local de trabalho de um grupo de prostitutas. O jornal Daily Mail enviou um repórter ao apartamento, e uma jovem que disse não conhecer Sorrell descreveu um menu de serviços que incluía a categoria "qualquer coisa que você quiser", por US$ 210.

A WPP contratou um escritório de advocacia para investigar se Sorrell havia usado dinheiro da empresa indevidamente e destratado seus subordinados - especialmente sua equipe de assistentes executivos–, de acordo com duas pessoas informadas sobre o assunto.

Um artigo do The Wall Street Journal no começo de abril noticiou o inquérito, mas sem muitos detalhes específicos. Menos de duas semanas mais tarde, Sorrell anunciou à empresa que renunciaria, invocando"as perturbações atuais", que haviam colocado "pressão desnecessária" sobre o negócios. No mesmo dia, 14 de abril, a WPP se limitou a dizer que a conta de despesas em investigação não tinha importância material para a companhia.

O episódio continua a intrigar todos os observadores fora do círculo mais estreito de dirigentes do WPP. Nem Sorrell e nem a companhia discutem o assunto, mencionando um acordo de confidencialidade. O máximo que Sorrell disse nas entrevistas foi que o artigo do The Wall Street Journal veio de um vazamento de um contato de escalão elevado e que isso servia de prova de que ele não podia mais trabalhar com o conselho.

Um executivo "bom em despedidas" mas pronto a atacar

O WPP deu início a uma reestruturação geral. Cerca de 3,5 mil empregados foram demitidos e 80 escritórios foram fechados. A empresa mudou de sede, atualizou seu logotipo e vendeu investimentos em 35 companhias. Em junho, a empresa fabricante de cestos de compras que embasou o império de Sorrell foi vendida, o que representa mais um esforço psicológico de limpeza do que uma necessidade de levantar dinheiro.

Há uma mudança de cultura em curso, igualmente. A colaboração tem prioridade e o moral melhorou, dizem empregados, ainda que as ações da companhia tenham caído em 17% de abril de 2018 para cá. Analistas dizem que muitos dos problemas que a WPP está enfrentando - dívida em alta, receita estagnada, perda de clientes– começaram quando Sorrell estava no comando.

"Muitas das questões que o WPP enfrenta hoje começaram no período dele", disse Alex DeGroote, da DeGroote Consulting.

Sorrell comparou sua saída da empresa, em diversas ocasiões, a ser atropelado por um ônibus. Mesmo assim, a WPP o definiu como um executivo "bom em despedidas", o jargão do mundo empresarial britânico para demissões honrosas, o que significa que ele reteve o direito a milhões de dólares em bonificações que serão pagas em ações. Isso lhe dá a capacidade única de atacar a WPP e ainda assim parecer que só deseja o bem da empresa.

"Como acionista, é preocupante", ele disse em uma entrevista recente ao Financial News sobre o desempenho do WPP, acrescentado que o novo presidente-executivo do grupo, Mark Read, cometeu "erros terríveis".

Em entrevista, Read preferiu não rebater. Enfatizou que ele e outros estavam fazendo da WPP uma companhia "mais aberta e mais centrada no cliente". Um porta-voz da companhia divulgou um comunicado afirmando que "o foco da nova liderança são os clientes e pessoal da WPP e seu sucesso, em benefício de todos os nossos acionistas.

A decepção que Sorrell insiste em ressaltar quanto à WPP contrasta com seu encanto com relação à S4: "Melhor, mais rápida, mais barata" é o lema extraoficial da empresa, o mantra de alguém que gosta de desordenar. E isso se reflete em uma campanha para a Nestlé, que detém o direito de vender produtos da Starbucks fora das lojas da rede de cafés. A MediaMonks fez um comercial de um minuto para os produtos de uso caseiro da Starbucks. O vídeo foi então cortado, adaptado e remontado em forma de 127 "ativos" diferentes: anúncios para o Facebook, YouTube, Instagram, Snapchat e assim por diante.

Por mais inovador que isso pareça, muita gente acredita que a vanguarda da publicidade hoje está em consultorias como a Accenture, que oferecem novas capacidades tecnológicas em uma era de abandono da TV a cabo e de uso de bloqueadores de anúncios. Com empresas como essas agora abocanhando mercado no planeta, há quem se preocupe com a possibilidade de que o novo empreendimento de Sorrell já seja um pouco antiquado.

"A S4 é pequena demais, estreita demais e ontem demais", disse Rishard Tobaccowala, vice-presidente de crescimento da holding publicitária Publicis, sediada em Paris, falando em uma conferência de mídia na metade de maio.

Perguntado sobre sua reação, Sorrell disse que Tobaccowala "parece assustado, para mim", e que "o esforço de mudar o rumo do porta-aviões da Publicis o fatigou".

Não é só o tom combativo que faz lembrar os observadores dos dias de Sorrell no comando da WPP. Ele continua em movimento ininterrupto, e liga para Peter Kim, presidente-executivo da Mighty Hive, 10 vezes por dia, em viagens por todo o mundo, administrando a S4 e seu legado. Uma aposentadoria não parece provável. Só a senilidade o deteria, ao que parece. E talvez nem isso.

"Não sei quanto tempo isso vai durar", disse Sorrell na conferência Advertising Week, em março. "Eu disse que duraria por um ciclo de cinco a sete anos e, então, se eu continuar funcional mentalmente e as pessoas acharem que devo seguir adiante, eu talvez fala mais um ciclo de cinco a sete anos. Mas nunca se sabe".

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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