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Diversidade não é filantropia, mas sustentabilidade do negócio, diz executiva do Nubank

Depois de declaração desastrosa de cofundadora sobre critérios de seleção de minorias, fintech ampliou área dedicada ao tema

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São Paulo

Desde que a cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, declarou em rede nacional que não podia "nivelar por baixo" critérios de recrutamento da fintech para aumentar a entrada de grupos minoritários, o tema da diversidade ganhou cada vez mais espaço no banco.

"Hoje, temos números para mostrar: contratamos 1.230 pessoas negras no último ano, o que corresponde a 48% do total de contratados, e batemos, no ano 1, uma meta de 5 anos", celebra Helena Bertho, 41, diretora global de diversidade e inclusão do Nubank.

"A gente não pode se conformar que, no Brasil, apenas 6% de posições gerenciais sejam ocupadas por profissionais negros. São 56% de pessoas negras autodeclaradas no país", aponta ela, que coordena uma equipe com profissionais voltados para temas como diversidade racial e de gênero, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e parentalidade.

"O home office da pandemia fez emergir condições muito distintas entre figuras parentais, com crianças em casa, e as pessoas que não têm esse contexto. Qual é o impacto disso sobre as pessoas e sobre seu trabalho? Então, criamos um grupo de parentalidade com uma estrutura que atende a essas questões."

Para ela, diversidade impacta diretamente no resultado operacional e diz respeito à sustentabilidade dos negócios. "Trata-se de time diverso e ambiente inclusivo, mas também de inovação e desenvolvimento de produtos e serviços", avalia.

Helena Bertho, Diretora Global de Diversidade e Inclusão do Nubank - Divulgação

Helena conta encarar diversidade e inclusão não como uma área, mas como uma perspectiva. "Norteia nossos processos de tomada de decisão e de inovação, além do impacto positivo que teremos na sociedade. É uma perspectiva de negócios que inclusive vai garantir a sustentabilidade deles."

Diversidade hoje é moda? Diversidade é um tema muito mais aquecido, a consolidação de discussões que começaram lá atrás. Não dá para dizer nem que seja uma tendência. Por conta da democratização das redes e de debates importantes que têm ocorrido na sociedade, diversidade tem ganhado holofotes. Não consigo enxergar como moda porque diversidade é sobre pessoas. E pessoas não estão na moda. Pessoas existem. O que a gente precisa é endereçar suas questões.

Existe uma relação positiva entre diversidade e performance financeira? Acho que ela tem impacto sobre pessoas, sobre suas performances, sobre estratégias de inovação, sobre cadeia de valor e sobre o lucro. Pesquisas, como Diversity Matters, da [consultoria internacional] McKinsey, mostram correlação entre times diversos, seja na perspectiva de gênero, de raça etc., e melhor performance. E isso é muito natural porque um ambiente mais plural se torna mais criativo e inovador, e o resultado vem.

Então, a diversidade traz lucro, mas ela não é apenas sobre isso. E é bem importante que as empresas coloquem em perspectiva que a gente não está discutindo filantropia, mas sustentabilidade de um negócio, impacto positivo na sociedade e também bem-estar e desenvolvimento das pessoas.

Se diversidade tem esse impacto positivo, por que ganhou mais relevância só recentemente? Eu avalio como processo. A diversidade não era mais amplamente discutida porque não tínhamos pessoas representadas ali, fazendo os apontamentos necessários, dizendo que existem outras maneiras de fazer algo, de investir, de repensar a relação da empresa com a sociedade.

E onde começa esse processo? Nos EUA, por exemplo, há áreas de diversidade em empresas há 20 anos. Já no Brasil, tanto a discussão da diversidade como a estruturação de áreas e programas voltados a ela é algo bem mais recente. De sete anos para cá, a produção acadêmica sobre o tema veio crescendo e, em algum momento, pautou o mercado e as empresas. A chegada a esses ambientes de novas pessoas, novos corpos e novas possibilidades de existência torna as empresas mais múltiplas, plurais e abertas a essa discussão.

Por que o mercado financeiro ainda é tão masculino e branco? Por uma herança histórica. Na perspectiva racial, isso tem a ver com falta de acesso à universidade. Na perspectiva de gênero, existia um recorte sobre as posições que as mulheres podiam ocupar e as áreas onde deveriam atuar: pedagogia, assistência social e atividades relacionadas ao cuidado. Atividades de produção intelectual e de negociação eram associadas aos homens. O que percebemos é uma migração. Hoje, no Nubank, uma empresa financeira e do mercado de tecnologia, tenho 43% de mulheres.

Isso demanda intencionalidade e esforço para reconhecer um problema e endereçá-lo. Quando as empresas não reconhecem que existe um gap histórico, a gente avança muito pouco. É importante a intenção de promover mudanças do cenário que se apresenta.

Você entrou no Nubank para conter os estragos da declaração da Cristina Junqueira? Não. Até porque a empresa, na época, reconheceu que errou, o que é pedagógico. É um exercício de transparência porque essa é uma jornada. E ter diversidade e inclusão como seu valor não garante que a empresa esteja fazendo tudo certo.

O Nubank já tinha programas de diversidade e inclusão, mas a gente entendeu que precisava fazer mais e com mais intencionalidade, o que passa por contratação mas também por letramento interno. Preparar os nossos times e lideranças, construir as condições para que as pessoas possam chegar e se sentir parte.

Eu não venho para suprir essa brecha, mas para somar um time que vinha trabalhando nisso e bem, como mostram os números.

Se acendeu um debate interno, de fazer um apontamento e notar que era preciso acelerar. Como aprender com um erro e fazer diferente. E, principalmente, como fazer com legitimidade. Como trazer as pessoas certas.

Junqueira disse que o nível de exigência da empresa não poderia ser nivelado por baixo em busca de diversidade. Por que essa premissa estava errada? A premissa está errada, e isso está na carta feita pela empresa, porque não é nivelar por baixo. Quando eu falo de trazer mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+, eu penso nas competências que esses times precisam ter para construir a empresa do futuro. Diversidade aporta em pluralidade, em ter times com repertórios diferentes, que vão fazer apontamentos de soluções diferentes. A diversidade vai além da demografia, inclui histórias de vida, inclui repertório. No momento, nossa missão é refletir a sociedade que a gente atende. O Brasil tem 220 milhões de habitantes. Os times que estão tomando as decisões entendem todas essas pessoas? Não é só Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, que têm a capacidade de tomar todas as decisões sobre um país tão plural como o nosso.

Parece existir uma ideia de que empresas querem ser mais diversas mas não conseguem encontrar os profissionais para preencher essas vagas. Como mudar isso? As empresas têm a oportunidade de se questionar sobre onde e como elas estão procurando. Não ter a exigência de inglês nem de experiência prévia e aceitar profissionais de qualquer área de formação porque aqui a gente vai treinar dentro do nosso modelo de negócio. A gente montou programas para trazer mulheres para a área de programação. E fomos construindo programas e plataformas em que as pessoas podem fazer a jornada e se sentir mais habilitadas para os processos seletivos.

Qual o resultado disso no Nubank? A gente desenhou metas bem audaciosas em 2021 para 2025. Se diversidade é uma área do negócio, precisa ter metas. Não podemos navegar pelas estrelas. Para mulheres, até 2025, a gente quer ter 50%. Profissionais negros, 30%, sendo 22% em posições de liderança. A gente definiu metas para pessoas LGBTQIA+ e para pessoas com deficiência, para as quais estamos tratando de uma questão de cumprimento legal, no mínimo. O plano passa por várias frentes. A primeira é a contratação: como é que, intencionalmente, eu faço programas afirmativos para que eu consiga trazer pessoas. Se eu não fizer isso, naturalmente, de acordo com a pesquisa do Instituto Ethos, eu vou demorar 120 anos para ter equiparação entre pessoas negras e pessoas brancas.

Preciso definir que, se vou contratar mil pessoas, quantas serão negras, mulheres e LGBTQIA+ autodeclarados. Terminamos 2021 com 33% de profissionais negros, ou seja, superamos a meta. E isso nos deu consistência para, em 2022, projetarmos o foco em posições de liderança, nas quais chegamos a 20% e queremos 22%.


Raio-x | Helena Bertho, 41

É diretora global de diversidade e inclusão do Nubank. Publicitária e com MBA em marketing, atuou nas áreas de comunicação de empresas como Coca-Cola e L'Oreal. Em 2021, venceu o Leão de Ouro em Cannes com o especial de Natal "Juntos a Magia Acontece".

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