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Descrição de chapéu inflação

Frio anima, mas preço de lãs assusta tricoteiras após venda da dona da Cisne

Coats, dona também das LInhas Corrente, foi comprada por fundo de investimentos

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São Paulo

Daniela da Rocha Zaneto Rech, 52 anos, tricota desde os 9. Aprendeu com a mãe, Erodi, e o que era um passatempo virou negócio: há 13 anos, é dona da Trichê, em Torres, litoral gaúcho, a 192 quilômetros de Porto Alegre, onde vende fios de lã, algodão, linhas, zíperes e todo tipo de aviamentos para tricoteiras, crocheteiras e bordadeiras, além de material para artesanato.

Com a temperatura abaixo dos 10º C em Torres na noite de terça (17), em meio à chegada do ciclone extratropical Yakecan, a tricoteira se anima com as vendas de inverno, mas está preocupada com o preço dos fios –especialmente os da Coats, dona da marca Cisne, de fios de lã, e da tradicional Linhas Corrente.

"Os preços dos fios em geral aumentaram 30%. Mas os da Coats cresceram muito, de 40% a 60%, dependendo do produto", diz ela, que reduziu o tamanho da última encomenda para a fabricante britânica, porque considera impossível fazer um repasse na mesma proporção à clientela. "Encomendei cerca de R$ 9 mil em lãs importadas da Cisne, e comprei muito mais da rival Círculo, R$ 35 mil", diz a comerciante.

A crocheteira Roseli Bergamascki, 63 anos, com bonecos amigurumi: preço das linhas de lã da marca Cisne, da Coats, aumentaram 33% neste ano - Eduardo Knapp/Folhapress

Daniela não sabia da venda da Coats, dona da tradicional marca Linhas Corrente, para o desconhecido fundo de investimentos Reelpar, anunciada no último dia 10. A Coats, na verdade, vai pagar US$ 10 milhões para o Reelpar, sediado em São Paulo, reestruturar o negócio no Brasil e na Argentina, outra operação que também foi passada adiante.

Fontes do setor têxtil afirmaram à Folha que a gigante britânica –fundada em 1755 no Reino Unido, e desde 1907 no Brasil– ficou pesada demais para competir no mercado de linhas, fios e aviamentos que, segundo a própria Coats, movimenta cerca de US$ 4 bilhões no mundo.

O setor sofre em grande parte com a informalidade, além de ser composto por uma infinidade de pequenos competidores locais, especializados em nichos, que se tornaram mais ágeis que a própria Coats. A Folha apurou que o grupo tentou vender o negócio como um todo –são mais de 50 operações no mundo, a maior parte na Europa e na Ásia. Mas não encontrou comprador. O jeito foi começar a se desfazer em partes.

A Coats, que também tem no portfólio marcas como Drima, Anchor, Camila e Sylko, sempre foi reconhecida por apresentar um extenso portfólio de lãs e cores, que diminuiu de tamanho desde o ano passado, segundo Daniela. Enquanto isso, outros fornecedores locais, como a Círculo, de Gaspar (SC), e a Pingouin, da Paramont Têxteis, de São Paulo (SP), ganharam espaço.

"Até me surpreendi quando a Vitória Quintal [uma das artesãs mais famosas nas redes sociais] deixou de ser garota-propaganda da Coats e passou a ser da Círculo", diz.

Telma Costa Souza, 41 anos, com vestido bordado: à procura de uma linha substituta para Drima, da Coats, que dobrou de preço - Divulgação

A bordadeira Telma Costa Souza, 41 anos, de Marília (SP), sempre preferiu a linha Drima, da Coats, pelo preço competitivo e pela qualidade. "Mas nos últimos tempos o preço disparou: o retrós pequeno passou de R$ 1 para R$ 2,50 e o médio de R$ 4,90 para R$ 9,90", afirma. "É uma diferença exorbitante, preciso procurar outra marca para substituir a Drima", diz ela, que mantém no Instagram a loja @telmacostabrand.store. ​

Já a crocheteira Roseli Mellaci Bergamascki, 63 anos, de São Paulo (SP), trabalha principalmente com fios de malha da Círculo, para fazer bonecos amigurumi, artesanais. Mas vai voltar a comprar os fios de lã da Cisne agora, no inverno, para encomendas como enxoval de bebê. Se assustou muito com os preços.

"Tudo subiu muito, mas o novelo da Cisne aumentou 33%, para R$ 17,99! Só em um jogo de maternidade eu gasto oito novelos", diz ela, dona da lojinha @criativanocroche, no Instagram. "Ficou mais difícil trabalhar. Mas tenho que comprar, já estou atrasada na produção de toucas, chachecóis e blusas."

Linhas da Coats vão de calçados até absorventes, passando por fibra ótica

Segundo Marcelo Prado, diretor do Iemi – Inteligência de Mercado, consultoria especializada no setor têxtil, o aumento do preço das linhas está relacionado à alta das commodities. "Mais especificamente do algodão e do poliéster, sendo este último um derivado do preço do petróleo", diz ele.

O consumo de fios e linhas para artesanato aumentou bastante na pandemia, mas o segmento representa uma parte muito pequena da indústria têxtil, afirma Prado. "A indústria de vestuário ainda não recuperou as vendas do pré-pandemia, e nem deve recuperar este ano".

No Brasil, o mercado de aviamentos gira em torno de R$ 600 milhões ao ano e representa pouco mais de 1% do mercado têxtil em volume, segundo o Iemi.

A Coats já foi a maior em trabalhos manuais, mas perdeu participação para competidores regionais. "No segmento de linhas para a indústria ela ainda está entre as líderes, mas em zíperes, não, perdeu para a YKK", diz Prado, referindo-se à rival japonesa, que tem fábrica no Brasil.

No mundo, a Coats faturou US$ 1,5 bilhão em 2021. Tem entre os principais clientes grandes nomes da indústria e do varejo mundial, como Adidas, Nike, Swarovski, Gap, H&M, Walmat e Kiabi.

Mas sua atuação vai muito além do mercado calçadista e de vestuário: é possível encontrar suas linhas desde absorventes íntimos internos e suturas usadas por cirurgiões, passando por uniformes de bombeiro e coletes à prova de bala da polícia, até linhas que percorrem os cabos de fibra ótica.

Procurada pela reportagem, a Coats não quis se pronunciar sobre a venda das operações no Brasil e na Argentina. No comunicado que anunciou a venda das operações no Brasil e Argentina, a empresa afirma que o movimento está alinhado "com as iniciativas estratégicas da Coats, anunciadas em março, para acelerar o crescimento lucrativo das vendas e transformar a empresa".

No texto, o presidente do grupo Coats, Rajiv Sharma, afirmou que, para o negócio do Brasil e da Argentina prosperar, era preciso "se reinventar". "Sentimos que a melhor decisão para salvaguardar o futuro da organização foi vender o negócio a novos proprietários que estarão focados exclusivamente nos mercados locais."

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