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Privatização não é solução para governos ruins, diz pesquisador

Autor do recém-lançado 'A Privatização Certa' elenca vantagens e desvantagens, acertos e erros de venda de estatais

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São Paulo

Ao contrário do que muita gente costuma pensar, as privatizações não são uma solução para governos ruins, afirma Sérgio Lazzarini.

"Se você tem um Estado corrupto e ineficiente, quando ele privatizar, vai ter corrupção na privatização, vai ter um processo não transparente, a modelagem vai ser malfeita. Não resolve", diz ele.

Autor do recém-lançado "A Privatização Certa", Lazzarini pesquisou teoria e prática sobre o assunto e percebeu que o debate no Brasil é contaminado por visões dogmáticas e ideológicas dos dois lados da discussão.

Em seu livro, o quadro pintado é cheio de nuances, com vantagens e desvantagens, acertos e erros, mas um denominador comum: para a privatização funcionar, é preciso haver um bom governo.

"É até engraçado, porque um livro sobre privatização fala que, nesse debate, o mais importante é um governo competente", afirma à Folha.


O professor Sérgio Lazzarini - Leandro Fonseca/Divulgação

Seu livro apresenta um cenário matizado a respeito de privatizações e estatais. Por que o debate público costuma ser reduzido a uma oposição simplista entre as duas posições?
Acaba tendo muita ideologia. Pessoas com uma ideologia mais libertária partem da ideia de que todo governo é ruim, então não tem muita conversa. E quem parte de uma ideia mais na linha de ativismo estatal vai na outra direção: diz que tem que preservar estatais sem nenhum questionamento; qualquer proposta de reformar estatais é carimbada como neoliberal –e fim da conversa.

O sr. afirma no livro que a pergunta certa não é se privatizar é melhor do que manter a gestão pública, mas sim quando e em que condições fazer isso. Qual é a resposta?
É até engraçado, porque um livro sobre privatização fala que, nesse debate, o mais importante é um governo competente... (risos) Mas a resposta é essa: precisa ter um governo competente.

Se pegarmos a educação, por exemplo, vai ter gente defendendo que seja tudo privatizado, que seja dado voucher para os alunos; e vai ter gente falando em aumentar o salário dos professores, enfatizar a rede pública. Só que nenhum dos dois lados considera os custos e benefícios de cada opção, nem os problemas e nem mesmo as evidências empíricas.

Então o caminho é mesmo ter um bom governo, que vai analisar a situação, vai se perguntar qual é o problema que se quer resolver, vai olhar as evidências empíricas.

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E se o governo não for competente?
A má notícia é que, se o governo for ruim, privatizar ou manter a presença do Estado... As duas opções são péssimas com governo ruim. A saída é desenvolver as competências governamentais ao longo do tempo. A notícia boa é que não precisa mudar o país inteiro para isso acontecer. Podemos ter unidades governamentais muito boas em determinadas localidades.

Nos últimos anos, houve no Brasil um discurso muito comum de que a privatização é a solução para um Estado inchado, corrupto e ineficiente. Essa ideia está correta?
Se você tem um Estado corrupto e ineficiente, quando ele privatizar, vai ter corrupção na privatização, vai ter um processo não transparente, a modelagem vai ser malfeita. Não resolve. Se o governo não está fazendo um serviço bom, não é só privatizar. Se tem estatal que não está operando bem, podemos tentar fazer ela melhorar, e aí podemos comparar as alternativas.

Agora, vendo o grau de interferência nas estatais, muitas vezes eu fico deprimido com essa linha. Mas a gente tem evidências de que é possível reformar, obter avanços.

Que reformas ou leis o Brasil já aprovou que são importantes no sentido de tornar o governo mais competente e quais ainda precisam ser feitas?
Tivemos avanços institucionais interessantes, e alguns deles o pessoal está tentando destruir. A própria Lei das Estatais. Apesar de não prever privatização, ela traz melhora de governança das estatais. E, muito paradoxalmente, à medida que a estatal melhora, ela começa a fazer um contrato privado aqui e ali, sai de determinadas áreas, focaliza.

Do lado negativo, até tivemos uma lei das agências reguladoras aprovada recentemente, mas ainda estamos esperando que elas sejam reforçadas. O governo atual não dá sinais [de que vai fazer isso], porque, de novo, ideologia: as agências são vistas como instrumento neoliberal.

E não são. Na verdade, as agências reguladoras são instrumentos de governo. Elas precisam ser fortes para monitorar a qualidade de serviço.

Tem também a reforma do Estado de forma mais ampla. Muita gente coloca na linha de permitir demissão de servidores, enxugar a máquina. Eu gosto de colocar mais na linha de cobrar resultados. Está previsto que a permanência de um funcionário público é condicionada à avaliação de desempenho. Só que não regulamentamos isso.

E acho que podemos pensar num instrumento legal para a criação de unidades públicas capazes. Na linha das agências reguladoras, mas para estimular a criação de parcerias público-privadas, ou de colaboração dentro do Estado. A gente tem evidência empírica de que essas unidades ajudam na modelagem dos projetos.

É possível fazer uma comparação direta entre empresas privadas e estatais?
Isso é superdifícil. É um erro crasso, por exemplo, ver que as estatais estão perdendo dinheiro e as privadas estão ganhando dinheiro e concluir que as privadas são melhores. É um erro crasso porque elas podem ter objetivos distintos e atender públicos distintos. Dá para tentar comparar, mas precisa tomar muito cuidado.

O Brasil vive há décadas um pêndulo entre governos pró-privatização e pró-estatais. Esse vaivém atrapalha políticas de médio e longo prazo?
Acho que, para o país, é complicado. A população sofre com essas mudanças. Vem um governo atrás do outro e nenhum deixa o aprendizado fluir. Quando a gente está aprendendo alguma coisa, vem o novo governo e diz: "Não gosto porque não gosto". E acaba.

A solução mais adequada seria ir testando. Vai ter muita heterogeneidade mesmo. Um setor tem lá uma estatal funcionando relativamente bem –vamos em frente com ela. Outro setor está muito mal e não se consegue reformar a estatal –vamos tentar uns contratos de concessão. E em outro setor podemos ter uma combinação de tudo acontecendo ao mesmo tempo.

Chamo isso de consenso plural, uma brincadeira com o Consenso de Washington. As pessoas têm que entrar nesse debate sem visões dogmáticas e pensar em resolver o problema.

Entre os modelos híbridos, as parcerias público-privadas [PPPs] e a política de campeões nacionais tiveram e têm bastante destaque no Brasil. Qual é a sua avaliação sobre ambos?
A política de PPPs está indo bem. Ela teve um arcabouço legal bem desenhado. Inclusive o Fernando Haddad foi um dos idealizadores. Uma coisa que me preocupa, em particular, é como se está medindo o resultado desses contratos. E há inclusive a possibilidade de esses resultados, sendo medidos, modularem ou variarem o pagamento ao ator privado. Então dá para avançar.

Quanto aos campeões nacionais, a teoria é que o governo pode dar um impulso em empresa privada para ela melhorar. A gente tem evidência [de que isso funciona]. Mas não o tipo de empresa que a gente apoiou [no Brasil], empresa grande.

Existem evidências mais consistentes sobre apoio para empresas menores, de tecnologia, empreendedoras, ou empresas que estão buscando projetos sociais e ambientais de maior impacto.

Muita gente fala que a Coreia do Sul apoiou empresa grande. Só que as condições lá são muito distintas. Primeiro, já tinha um sistema educacional bem desenvolvido, com muito capital humano presente. E a ação do governo com essas grandes corporações foi muito estrita, com acompanhamento. Se alguma delas não alcançasse determinados resultados, o apoio seria abortado. Isso não acontece no Brasil.

E quanto ao uso de estatais para fazer políticas além do escopo de atuação, como no caso do controle de preços via Petrobras?
A gente precisa definir qual é o mandato da estatal, qual é o seu objetivo. Lendo a legislação da Petrobras, eu não consigo ver um mandato para controlar o preço da gasolina. Então, se o governo quer fazer isso, precisa mudar o arcabouço legal. Precisa passar pelo Congresso, precisa ter discussão pública.

Eu tenho sugerido, inclusive, que toda estatal precisa ter uma definição muito clara do seu mandato. E isso pode e deve ser feito de maneira muito democrática.


Raio-X

Sérgio G. Lazzarini, 52
Mestre (USP) e doutor (Universidade Washington) em administração, é professor da Ivey Business School, da Western University (Canadá) e pesquisador sênior do Insper. É autor de "A Privatização Certa".

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