Descrição de chapéu petrobras

Bolsonaro quer lavar as mãos com privatização da Petrobras, diz pesquisador

Estudioso do tema há 20 anos, Sergio Lazzarini afirma que governo trata estatais de modo simplista

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Brasília

Bravatas e pensamentos simplistas foram determinantes para inviabilizar o ambicioso programa de privatizações defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, avalia o pesquisador Sérgio Lazzarini, do Insper.

"Sair por aí dizendo que toda estatal é uma porcaria é um desserviço para quem defende essa pauta", afirma. "No mundo do Twitter, as pessoas querem resumir tudo numa única frase polêmica. Nesse tema, francamente, não dá."

Ele questiona ainda o tratamento simplista adotado no anúncio de privatização da Petrobras. "Bolsonaro quer lavar as mãos. Ou seja, quer privatizar para que não seja mais culpa dele se a Petrobras aumentar preços", diz o pesquisador. "Obviamente, esses estudos em véspera de eleição são mais para criar algum fato do que efetivamente resolver o problema."

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Sérgio Lazzarini, professor do Insper; em novo livro, pesquisador discute mitos, prejuízos e benefícios das privatizações - 01.12.18 -Keiny Andrade / Folhapress

Lazzarini pesquisa o tema há 20 anos e acaba de lançar um novo livro sobre o tema nos Estados Unidos. A publicação vai compor uma trilogia sobre as relações entre público e privado, junto com 'Capitalismo de Laços – Os Donos do Brasil e suas Conexões" e "Reinventando o Capitalismo de Estado".

Nesse novo estudo, Lazzarini foge do maniqueísmo que contamina o tema no Brasil e investiga mitos, riscos e benefícios de transferir serviços públicos à iniciativa privada.

A conclusão, baseada em pesquisas, evidências e exemplos práticos, é que privatizações bem-sucedidas derivam de um paradoxo: a existência de Estados eficientes e organizados. Só assim é possível criar as condições para que empresas privadas não coloquem seus lucros acima da prestação do serviço público após a privatização.

"O Estado não precisa de uma Usiminas para atuar no setor de aço. Vende logo. O privado que cuide", afirma. "Mas, nos serviços públicos à população, especialmente aos vulneráveis, é outro papo. O acompanhamento precisa ser permanente."

Escrito durante o confinamento na pandemia e lançado em inglês pela Cambridge University Press, o novo livro é intitulado "The Right Privatization – Why Private Firms in Public Initiatives Need Capable Governments" (Privatização Certa – Por que as Empresas Privadas em Iniciativas Públicas Precisam de Governos Capazes, em tradução literal). Ainda não há data para publicação em português.

Lazzarini deu entrevista à Folha por videoconferência, de Toronto, no Canadá, onde passa uma temporada.

Nos livros anteriores, o sr. trata dos laços entre capitalismo e Estado. Encerrar a trilogia tratando de privatização é uma abordagem sobre como acabar com esses laços? Na verdade, quando comecei a escrever, no fim de 2003, era para ser sobre isso. As privatizações tinham acabado, e um grupo em que eu estava queria saber o que houve com as empresas após essa grande reforma na década de 1990.

Quando fui coletar os dados das empresas, fiquei intrigado: por que tem tanto BNDES e fundo de pensão, que raio é isso? Daí veio o "Capitalismo de Laços", publicado em 2010, no final do governo Lula.

Ali percebi que, quando você faz reformas, o sistema político e o empresariado resistem às mudanças e querem preservar suas posições de influência na economia.

Isso se expressou na continua presença desses atores nas ex-estatais, que depois se reforçou. Sob Dilma, os mecanismos de intervenção estatal cresceram ainda mais. Sobre esse ciclo eu e Aldo Musacchio publicamos "Reinventando o Capitalismo de Estado".

Enquanto eu discutia essas coisas, as pessoas perguntavam se a saída, então, era privatizar tudo. Eu sempre respondia na tangente. Então, escrevi o terceiro livro para responder a isso.

Estamos no governo de Jair Bolsonaro, e o ministro da Economia Paulo Guedes, prometeu um novo ciclo de privatizações, que não ocorreu. Por que, na sua opinião? No caso de grandes privatizações, é preciso lembrar que Fernando Henrique Cardoso privatizou mais porque as empresas e os tempos eram outros.

As grandes estatais que sobraram exigem debates mais profundos. O ambiente institucional mudou. O processo para privatizar é mais complexo. Agora temos Tribunal de Contas da União e até o Supremo Tribunal Federal envolvidos.

Quando você tem um ambiente mais complexo e entra um governo com uma visão simplista do tema, aí descamba.

Qual visão simplista? Que toda estatal é ruim e que tem de privatizar tudo. Argumentos assim atrapalham o debate. A população não sente confiança na proposta.

O sistema político, que, vamos ser sinceros, quer preservar as estatais para aproveitar os cabides de emprego ou mandar recursos para seus redutos, se aproveita dessa ambiguidade. Joga a bola de lado para obter benefícios.

Sair por aí dizendo que toda estatal é uma porcaria é um desserviço para quem defende essa pauta.

Uma agenda de privatização exige muita discussão e estudo. Ir com muito cuidado. Explicando. Mostrando dados. Sem bravatas. Sem estereotipar, de um lado ou de outro.

E precisa avaliar estatal por estatal: qual a lei que definiu sua criação? Quais foram os seus objetivos sociais definidos em lei? Estão sendo atendidos ou não? O setor privado vai observar essas variáveis? Qual é o arcabouço legal que vai preservar os objetivos sociais dessa estatal se ela for privatizada?

O governo não se comunica. Não explica. A população não apoia.

Como o sr. viu a iniciativa do novo ministro de Minas e Energia de protocolar o pedido de estudos para a privatização da Petrobras cinco meses antes das eleições? O pedido de privatização da Petrobras já começa errado, pois é simplesmente uma tentativa do Bolsonaro lavar as mãos. Ou seja, quer privatizar para que não seja mais culpa dele se a Petrobras aumentar preços.

E obviamente esses estudos em véspera de eleição são mais para criar algum fato do que efetivamente resolver o problema. Melhor seria, por exemplo, encampar medidas para acelerar as vendas das refinarias da Petrobras e aumentar a competição.

Só que, com um presidente a toda hora criando tensões com outros Poderes, e sem a menor noção da importância de promover um ambiente regulatório estável, fica difícil atrair mais investimento privado para o país.

No livro, o sr. não trata da venda de estatais, fala de diferentes parcerias entre Estado e empresas. Afinal, o que é privatizar? Essa é uma boa pergunta, porque colegas questionaram o nome do livro dizendo que eu não falava de privatização. A privatização stricto sensu é a venda. Mas tem uma questão aí. Mesmo após essa privatização, o Estado está lá ente os minoritários.

Na Eletrobras, vão tirar o controle da União, mas o governo continua acionista. Alguns podem até dizer que a Eletrobras vai se tornar uma estatal sem controle do Estado.

Realmente, busquei ampliar a discussão de privatização. Considerei a questão pelo aspecto de como engajar atores privados em projetos de interesse público.

Há mais de um capítulo do livro discutindo se o setor privado tem mesmo capacidade de assumir a prestação de serviços públicos. Por que o foco nessa questão, se o privado sempre é visto como mais eficiente? Porque hoje esse é um dos principais dilemas que estão em discussão na literatura acadêmica sobre o tema.

Se estou privatizando, por exemplo, limpeza de rua, monitorar é simples. Mas vamos pensar em saúde, educação e prisões. Já não é tão simples.

Nessas privatizações, há variáveis de desempenho social que são difíceis de acompanhar.

Uma prisão é um instrumento de segurança pública, mas, ao mesmo tempo, não pode infringir direitos humanos básicos e precisa reabilitar o prisioneiro. É difícil criar as métricas para isso e detalhar no contrato de prestação do serviço público. E a empresa pode resolver cortar custos em atividades que garantiriam essa coisa mais difícil de medir.

E como resolve isso? Vou dar o exemplo de prisões, que eu conto no livro. Participei de um projeto, liderado pelo colega Sandro Cabral, também do Insper, com outro colega, o Paulo Furquin. Nós acompanhamos uma experiência de terceirização de prisões no Paraná no final da década de 1990 e no comecinho do século.

Era muito eficiente, mas Roberto Requião, quando se elegeu governador, não quis manter porque era contra privatizações.

Os gestores privados assumiram, com eficiente acompanhamento de gestores públicos. Você deve estar se perguntando como isso é possível, já que essa relação tem tudo para dar em corrupção, e o funcionário público receber um suborno para fazer vista grossa aos deslizes do privado.

Pois é, mas, nesse caso, o cara do público era escolhido a dedo, recebia um salário extra, e sabia que perderia tudo se fosse pego fazendo algo errado.

Eles ainda sofriam monitoramento externo de organizações sem fins lucrativos da sociedade civil. Havia uma célula dentro do governo do estado do Paraná dedicada a acompanhar os dados das prisões. Eu visitei. As pessoas eram muito sérias e transparentes, nos passaram todos os dados que pedimos, o que é raro.

Eu descrevo isso como competência governamentais. Precisa ter isso, inclusive para vender uma estatal.

Os Correios são um exemplo. Tem gente que acha que é fácil privatizar. Não é. Estudos indicam que ele atende áreas mais pobres onde o privado não entra e, se entrar, vai cobrar mais. Se você vender os Correios e deixar o privado solto, ele, com certeza, vai mirar áreas filé-mignon.

No fim, algo assim acabou acontecendo na telefonia, não? A privatização foi um sucesso e popularizou o telefone, mas o setor evoluiu como prestador de serviços de internet e não atende adequadamente a baixa renda. O laço entre público e privado, então, não tem prazo para acabar nessa área? O Estado não precisa de uma Usiminas para atuar no setor de aço. Vende logo. O privado que cuide. Mas nos serviços públicos à população, especialmente aos vulneráveis, é outro papo. O acompanhamento precisa ser permanente.

Aí nesse caso, temos o exemplo da mudança tecnológica. Quando a privatização foi feita, existiam metas. Algumas foram atropeladas pela mesma mudança tecnológica. A expansão de orelhões, por exemplo. Ninguém precisou mais deles com os celulares.

Mas a política pública deve evoluir junto, com o governo e agências atuantes. No Brasil, as agências reguladoras estão sendo enfraquecidas. Descuidamos dessas unidades essenciais para a evolução da política pública.

Basicamente, o sr. está dizendo que esse tipo de privatização, para ser eficiente, vai depender de um bom acompanhamento posterior de um Estado igualmente eficiente? Sim, nos serviços de interesse social, em monopólios naturais, em setores sensíveis à redução de oferta e nos que envolvem inclusão, um tema que me preocupou muito. Será que um cara privado vai atender populações mais vulneráveis?

Uma solução que o pessoal de livre mercado professa é o uso do voucher, para a população mais carente comprar o serviço, alugar uma casa ou o colocar o filho numa escola privada.

O voucher funciona sempre? Parte da revolta no Chile ocorreu porque o uso desse sistema deu errado. O problema do voucher é que a empresa privada não é obrigada a receber. Uma escola tem autonomia para escolher se quer o pobre com voucher ou o filho de uma família com dinheiro. As empresas no Chile excluíram os mais vulneráveis.

Posteriormente, o sistema passou a ser regulado. Em vez de se caracterizar com uma opção de livre mercado, entrou numa nova linha, que chamo de colaboração público-privado. O governo diz: vai ter voucher, mas a escola tem que adotar padrões de inclusão.

Tem um outro exemplo mais didático para esse tipo de iniciativa. Imagine que você queira resolver o problema habitacional e use o voucher, mas não faça nada para incentivar o mercado da construção. Vai faltar casa, o preço vai subir e o voucher não será suficiente.

Nesse caso, a colaboração público-privada inclui uma ação do governo para incentivar a oferta habitacional.

Quando sr. começou a estudar o tema lá atrás, o raciocínio era simplista? Quando comecei o "Capitalismo de Laços", confesso que sim. Lá em 2004, estavam muito forte na cabeça de todo o mundo os benefícios daquelas privatizações, especialmente o exemplo da telefonia. Antes, eu tinha comprado uma linha telefônica por US$ 3.000, US$ 4.000.

Mas, à medida que fui estudando, percebi que o Estado estava dentro das empresas privatizadas. Li muito mais sobre vantagens e desvantagens da participação do Estado. Li livros de economia mais modernos, de autores que foram mais para o lado dessa economia microcontratual e começaram a discutir riscos. Muitos economistas ganharam prêmio Nobel com essa discussão.

No mundo do Twitter as pessoas querem resumir tudo numa única frase polêmica. Nesse tema, francamente, não dá. Não há como falar vende tudo ou estatiza tudo. Eu gostaria de ter respostas simples para esse tema, mas elas não existem.


RAIO X

Sérgio Lazzarini, 51 anos

Com graduação em engenharia agronômica (USP), mestrado em administração (USP e Universidade Washington) e doutorado em administração (Universidade Washington), é professor titular do Insper desde 2002. Atua nas áreas de graduação, mestrado e MBA em estratégia corporativa. Foi professor visitante na Universidade Harvard (EUA) em 2010 e em 2012. Regularmente, publica artigos em revistas acadêmicas nacionais e internacionais.


UMA TRILOGIA SOBRE RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS

2022 - A Privatização Certa – Por que as Empresas Privadas em Iniciativas Públicas Precisam de Governos Capazes.
Cambridge University Press (EUA)
268 pág.

2015 - Reinventando O Capitalismo de Estado
Portfolio Penguin (Brasil)
Harvard University Press (EUA)
408 pág.

2010 - Capitalismo de Laços - Os Donos do Brasil e Suas Conexões
Campus Elsevier (Brasil)
296 pág.

Erramos: o texto foi alterado

O nome do professor do Insper Sandro Cabral foi erroneamente grafado como Sílvio em versão anterior deste texto.

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