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'Ambição desmedida causou a ruína da Americanas', diz CEO da BR Partners

Para Ricardo Lacerda, trio de bilionários acionistas da varejista não percebeu que estava sendo enganado

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São Paulo

Em fevereiro de 2023, quando todos ainda tentavam entender o que havia acontecido com a Americanas, até então uma das maiores varejistas do país, que veio a público apontar "inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões", o banqueiro Ricardo Lacerda deu nome aos bois. Em entrevista à Folha, disse que se tratava de uma "fraude colossal perpetrada por uma quadrilha".

"A Polícia Federal chegou à mesma conclusão. Modéstia à parte, eu estava certo", disse à reportagem o CEO do banco BR Partners, que atua no mercado de capitais, fusões e aquisições, restauração de dívida, produtos de tesouraria e gestão de fortunas.

Do 28º andar do seu escritório na avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, Lacerda elogia o governo de Luiz Inácio Lula da Silva por ter "baixado a temperatura" do país e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela defesa do equilíbrio fiscal. Mas é justamente o cenário fiscal que o incomoda.

"Ninguém questiona que as pessoas ricas têm que pagar mais impostos. Mas é fundamental cortar gastos", afirma, para quem o tamanho do Estado "está engolindo o Brasil."

Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimentos BR Partners, no seu escritório na avenida Faria Lima, em São Paulo. - Folhapress

"Na grande maioria das questões, o governo tem acertado. Em especial na política institucional, em trazer mais estabilidade ao país. Todas as instituições estão funcionando –o Congresso, o Supremo, o Ministério Público, o que é muito positivo, o Brasil precisava baixar a temperatura, diminuir a polarização", diz.

Lacerda também acredita que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe têm feito um "excelente trabalho". Mas chama a atenção para o fato de o presidente insistir em "atacar a política monetária" e resistir em incluir corte de gastos no plano do equilíbrio fiscal. "Não existe equilíbrio fiscal sem controle de gastos. E ninguém está falando de reduzir o Bolsa Família ou de reduzir ajuda às pessoas que precisam. Estamos falando de reduzir gastos com o tamanho do Estado, com desperdícios", disse.

Na conta dos desperdícios, ele inclui os reajustes do funcionalismo público. "Óbvio, tem muito funcionário público que merece reajuste, mas no fundo você tem um Estado empresário, com muitos gastos além do que deveria, e sem um plano de cortes", afirma. Na sua opinião, é o que falta para Lula "acertar completamente e ganhar a confiança dos mercados."

"É algo básico. Tem que priorizar educação, saúde e segurança pública –e o resto tem que cortar. O Estado está engolindo o Brasil. O presidente deveria usar sua habilidade política para tentar costurar um pacto que melhore nossa estrutura tributária e a torne mais justa e eficiente", diz.

'A GENTE PAGA IMPOSTO E NÃO CHEGA A LUGAR NENHUM'

Uma das áreas de atuação do BR Partners é a gestão de grandes fortunas –a taxação dos super-ricos é uma das bandeiras de Haddad. "Ninguém questiona que, no Brasil, as pessoas ricas têm que pagar mais impostos –sobre fortunas, sobre alguns fundos, sobre dividendos", diz Lacerda. "Mas se você tentar resolver tudo apenas aumentando impostos, vai matar a economia, vai matar as empresas e os empreendedores que estão gerando riqueza para o país."

Segundo ele, a questão central é redistribuir a carga tributária e cortar gastos. "Quando o presidente vai à TV dizer que rico não paga imposto e existe um contingente da população muito pobre, esse contingente muito pobre não existe porque os ricos tiraram [dinheiro] deles, é porque os pobres não tiveram oportunidade. Não tiveram educação ou um trabalho onde pudessem ser reconhecidos", disse.

O banqueiro se afirma incomodado com a ineficiência da máquina pública. "A gente paga tanto imposto no Brasil e não chega a lugar nenhum. Se você ganha R$ 5.000 por mês, paga 27,5% de Imposto de Renda. Se você ganha R$ 1 milhão, também paga 27,5%. Não faz nenhum sentido", afirma.

Lacerda também dá como exemplo de distorção tributária o imposto sobre herança no Brasil, que chega no máximo a 8%, enquanto nos Estados Unidos pode atingir 40%. De um lado, diz, é preciso corrigir isso, de outro, é mandatório que o governo reduza gastos.

"O que não dá é cobrar imposto de dividendo e não reduzir a alíquota do imposto corporativo, porque aí você mata quem gera riquezas. O Brasil só está aonde está porque tem muito empreendedor e muita empresa boa."

'EMPRESAS PERDERAM O TABU DE RENEGOCIAR DÍVIDAS'

O país tem visto, porém, uma série de pedidos de recuperação judicial, que se intensificaram desde o ano passado. "O número recorde de recuperações judiciais é em função desse cenário de juros muito altos, nem todas as empresas se beneficiam de maneira igual do crescimento econômico", diz.

Segundo Lacerda, empresas "mais alavancadas" (que tomaram dívidas) têm mais dificuldades. "Boa parte das alavancagens foram na pandemia, quando os juros estavam baixos. Isso se reverteu bem rapidamente. Algumas empresas também haviam feito aquisições a preços muito altos entre 2020 e 2021 e ainda carregam esse fardo".

O BR Partners, que trabalha da reestruturação de dívidas, atendeu a Light e a Marisa no ano passado. "Hoje não existe mais tabu envolvendo o assunto", afirma. "Nosso papel é fazer a modelagem financeira que torna a empresa viável, com o alongamento [das dívidas] e capitalização, e apresentarmos o plano a credores e acionistas."

Questionado se o varejo não parece mais frágil que os demais setores –por ter observado mais pedidos de recuperação judicial e extrajudicial–, Lacerda afirma que o setor tem uma fragilidade estrutural. "Ele compete com o varejo digital, que não tem os mesmos custos com impostos, funcionários, estrutura física etc. Além disso, o varejo é dependente de capital de giro, o que significa que a alta taxa de juros bate muito forte no setor", afirma. Segundo o banqueiro, "é uma indústria em transformação, mas o Brasil tem varejistas de excelência."

'3G NÃO IMPÔS LIMITE ENTRE MERITOCRACIA E BUSCA PELO LUCRO A QUALQUER CUSTO'

Até algum tempo atrás, a Americanas era considerada uma das maiores varejistas do país, tendo como principais acionistas o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, os mesmos por trás de outros grandes negócios a como AB Inbev e Restaurant Brands International (dona do Burger King). Nestas empresas, a companhia de private equity 3G Capital, fundada pelo trio, é uma das maiores acionistas.

Mas o que se descobriu foi que a Americanas lançava mão de uma "contabilidade criativa" para se apresentar como gigante do varejo, uma vez que escondia um rombo de R$ 25,3 bilhões no balanço, o que a levou a entrar em recuperação judicial em janeiro do ano passado com dívidas de mais de R$ 45 bilhões.

Lacerda foi um dos primeiros a declarar publicamente que se tratava de "fraude" e que o esquema envolvia uma "quadrilha". "Não é possível abrir um buraco tão grande numa empresa desse tamanho, com tantos controles, sem que haja absoluta má-fé de quem está no comando", afirma. "Tudo foi arquitetado de forma ardilosa e minuciosa pelo CEO e diretores da época."

Na sua opinião, não existe uma governança que seja absolutamente imune a uma fraude e à má-fé. "Embora as empresas tenham seus controles, auditores, conselheiros, acionistas e o trabalho de todas essas pessoas pressupõe um componente de boa-fé dentro do sistema."

Questionado se o trio de bilionários teve alguma responsabilidade sobre o que aconteceu –uma vez que um deles, Beto Sicupira, está no conselho da Americanas até hoje–, Lacerda ressalta que o conselho não gere a empresa. "Seu papel é determinar a estratégia, as políticas, cobrar metas. Da mesma forma os auditores, os bancos, os credores não estão no dia a dia", afirma.

"Todo mundo perdeu com a fraude, exceto o grupo que a executou, e recebeu dezenas ou centenas de milhões de reais em participação, vendeu essas ações, e há casos relatados pela polícia até de desvios de recursos", afirma.

Lacerda lembra que a Americanas era uma companhia que não pagava dividendos, então, os principais acionistas não se beneficiaram. "Ao contrário, eles vinham capitalizando a empresa, e agora vão fazer uma capitalização muito relevante de R$ 12 bilhões", diz ele, referindo-se a uma das etapas do plano de recuperação para salvar a companhia.

"A culpa pela ruína, na minha opinião, está em uma cultura de ambição desmedida dentro da Americanas. Fica essa reflexão para o 3G, sobre a cultura de negócios que não impôs limites entre a meritocracia e a busca pelo lucro a qualquer custo. Talvez isso tenha contribuído para a fraude passar despercebida por tanto tempo."


RAIO-X BR PARTNERS

Fundação:2009
Funcionários: 170
Áreas de atuação: mercado de capitais, fusões e aquisições, restauração de dívida, produtos de tesouraria e gestão de fortunas
Receita*: R$ 435,8 milhões
Principais competidores: BTG, Itaú BBA e XP Investimentos

Fonte: empresa; *em 2023

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