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Pai de Kamala Harris é economista marxista, escreveu sobre o Brasil e passou temporadas no país

Nascido na Jamaica, Donald Harris participou de eventos na UnB quando era professor de Stanford; conheça

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São Paulo

Os alunos e docentes não tinham como saber, mas o professor de Stanford que marcava presença em seminários e colóquios da UnB (Universidade de Brasília) na década de 1990 seria conhecido para além de suas credenciais acadêmicas.

O simpático economista marxista era também pai de Kamala Harris, atual vice-presidente dos EUA e favorita a assumir candidatura democrata nas eleições americanas deste ano. Nesta sexta (2), Kamala já obteve o número mínimo de delegados necessário para ser confirmada como a candidata democrata à Casa Branca.

Donald Harris não é muito citado nos discursos de Kamala, que costuma se referir à mãe como sua principal influência. No entanto, as origens da vice-presidente viraram assunto da corrida eleitoral após Donald Trump sugerir que ela estaria explorando eleitoralmente ser negra —o que trouxe o nome do pai para o centro das discussões.

O economista Donald Harris com sua filha Kamala Harris no colo, em 1965

Nascido na Jamaica, Donald Harris tem hoje 85 anos e está afastado das salas de aula. Sua carreira acadêmica foi ligada à Universidade de Stanford, nos EUA, onde entrou em 1972 e se tornou o primeiro negro a ocupar o cargo de professor titular do departamento de economia.

Apesar do vínculo intenso com Stanford, a carreira de Harris não se limitou aos Estados Unidos. O economista teve passagens por faculdades na Jamaica, no México e até mesmo no Brasil, país que visitou em diversas ocasiões.

Uma das passagens foi em maio de 1999, durante o Colóquio Internacional sobre Economia Dinâmica e Política Econômica feito pela UnB. Na ocasião, Donald Harris ficou hospedado na casa de Joanílio Teixeira, professor emérito da Universidade de Brasília.

"Ali se formou um laço de amizade, nós tínhamos uma relação muito próxima. Depois fui para França, Itália e até Stanford, quando ele lecionava lá. Depois que se aposentou e passou a se dedicar à consultoria, acabamos perdendo o contato", disse Teixeira em entrevista de 2021 ao portal UnB Notícias.

Mas o interesse de Harris pelo Brasil parece ser anterior às suas temporadas no país. Em 1966, ele assinou uma resenha do livro "Diagnóstico da Crise Brasileira", de Celso Furtado, publicada em uma revista especializada americana.

No texto, ele diz que a obra é uma contribuição refrescante para a literatura sobre subdesenvolvimento, representando uma tentativa séria de lidar com os problemas latinoamericanos.

Em 1974, Harris ainda publicou um artigo na revista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), intitulado "Um post mortem à 'parábola' neoclássica".

Crítico e de esquerda, Donald Harris era um professor bem visto pelos alunos e considerado um grande questionador da teoria econômica neoclássica, uma escola de pensamento que dominava os departamentos acadêmicos na época e se baseia numa ideia de mercados livres e autorregulados.

Uma edição do jornal The Stanford Daily de 1976 descreve Donald como um acadêmico marxista cuja "excelência como professor atraiu alunos para estudar sua área de instrução".

O artigo chama o pai de Kamala de "muito carismático, um flautista mágico que leva estudantes a se desviarem da economia neoclássica". Nas palavras do jornal, ele lecionava "cursos ruins" muito bem.

Donald Harris era considerado um economista proeminente por seus pares, com carreira acadêmica focada em temas como desigualdade e desenvolvimento. Um dos argumentos centrais em seus artigos é que a taxa de crescimento de uma economia é fundamentalmente dependente da estrutura de classes da sociedade.

Seu principal trabalho é o livro "Capital Accumulation and Income Distribution" (acumulação de capital e distribuição de renda, em português). Uma resenha publicada na revista Social and Economic Studies, em 1981, classifica o livro como uma contribuição forte ao pensamento econômico.

"Ele argumenta que a abordagem marxista é a mais poderosa para entender e explicar a dinâmica da acumulação. O trabalho é particularmente vital porque expõe as questões críticas da acumulação de capital com um rigor metodológico que parece escapar a alguns estudiosos da economia atual", diz o texto.

Em um vídeo de 1989, Donald Harris debate com Jeffrey Sachs, hoje conhecido guru do desenvolvimento sustentável e que foi associado ao termo "terapia de choque" por seus planos de transição econômica adotado em países como Bolívia, Polônia e Rússia no pós-União Soviética.

Ao lado de Sachs, ele contesta a abordagem neoliberal sobre a chamada "crise da dívida" —que atingiu diversos países nos anos 1980, incluindo o Brasil—, além de enfatizar a necessidade de mudanças no sistema financeiro internacional.

Donald Harris deixou a carreira acadêmica no fim dos anos 1990 e atuou posteriormente como conselheiro do governo jamaicano.

Segundo artigo da revista britânica The Economist, apesar de todo radicalismo anterior, Harris recomendou disciplina fiscal e redução da criminalidade, bem como crescimento liderado por exportação e estratégia industrial.

Entre os conservadores americanos, a atuação acadêmica de Donald Harris virou munição para atingir Kamala. Nas redes sociais, defensores de Trump usam a visão marxista do pai para sugerir que a vice-presidente teria raízes comunistas.

Kamara, porém, foi criada pela mãe, a indiana Shyamala Gopalan. Inclusive, a atribulada vida acadêmica de Donald Harris é apontada como um motivos de desgaste que levaram à separação do casal, quando Kamala tinha cinco anos.

Em artigo de 2018, Donald relatou que seu contato próximo com as filhas "cessou abruptamente" após uma disputada batalha pela custódia. O texto, publicado em um portal jamaicano, é um dos mais recentes comentários públicos sobre sua filha.

Outra rara declaração aconteceu em 2019, quando Donald Harris repreendeu Kamala por estereotipar os jamaicanos ao admitir ter fumado maconha na adolescência.

"Falando por mim e pela minha família jamaicana, desejamos nos dissociar categoricamente dessa caricatura", escreveu Donald em uma carta posteriormente apagada.

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