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Cidade de Drummond puxa fila e atesta fim da hegemonia de Minas Gerais na mineração

Itabira, onde poeta e Vale nasceram, vive dilema entre aceitar fim da extração ou postergar vínculo vicioso

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Itabira, Rio Piracicaba e Nova Lima

Itabira, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, deu origem a duas figuras de peso para o Brasil: o poeta Carlos Drummond de Andrade, o maior do século 20, e a mineradora Vale, dona de 70% do mercado de minério de ferro do país. Eles nunca se deram bem. Drummond, por exemplo, fez fama ao criticar a Vale, a quem chamou de amarga –uma antítese com o então nome da empresa, Vale do Rio Doce.

Hoje, 82 anos depois do nascimento da Vale e 37 da morte de Drummond, Itabira tenta encontrar formas de sobreviver sem a mineradora, a única de grande porte em operação na cidade. Segundo a Vale, o minério de ferro no município vai exaurir em 2041, data mais próxima entre os principais complexos minerários no Brasil.

A cidade é um exemplo entre várias outras em Minas Gerais. Oitenta por cento de sua receita é atrelada à mineração, sendo que os royalties da venda de minério de ferro correspondem a um terço de sua arrecadação –de R$ 1 bilhão. O setor foi responsável por 11% da economia de MG em 2021, último ano do recorte estadual.

A cultura de Itabira passa pela mineração: os cursos das universidades locais são para profissões requeridas pelo setor, os espaços de lazer são ou foram financiados pela Vale, os hotéis estão lotados de funcionários da mineradora e até o clube de futebol da cidade foi criado por ela. Itabira, assim como várias outras cidades do estado, vive cercada pela mineração.

O desafio agora é se livrar dela; ainda que por obrigação, já que o setor vem dando sinais de desinvestimento em cidades tradicionais do estado. Itabira, por exemplo, encerrou o século passado representando 20% da produção de minério de ferro no Brasil; hoje 7%.

A razão está no aumento da extração de ferro no Pará, especialmente na região de Carajás, onde o minério tem teor muito superior ao de Minas Gerais, vantagem avassaladora em um contexto de transição energética.

"Essa não é só uma realidade de Itabira; no quadrilátero ferrífero como um todo havia teores de ferro mais elevados, mas hoje os minérios são mais pobres e mais compactos e demandam mais energia para o processo de concentração" afirma Miguel Paganin, gerente de geotecnia e hidrogeologia da Vale.

Um dos locais que abrigava minério de ferro com teor semelhante ao encontrado hoje no Pará é o pico do Cauê, citado por Drummond em algumas de suas poesias. O pico, que era cartão postal da cidade, hoje está invertido; virou uma cava de mais de 100 metros de profundidade.

"Temos que pensar que a Vale em Itabira foi a primeira experiência de mineração aos moldes capitalistas, então, ela foi com uma carta branca. O que foi feito em Itabira em termos de degradação foi com o aval do poder público municipal, estadual e federal, porque esse era o discurso de progresso da época", afirma Maura Britto, historiadora e pesquisadora da produção e transformação do ferro em Itabira no século 19. "O caso do pico do Cauê é assustador e muito emblemático nesse sentido; imagine o que é uma paisagem natural que se refere à própria identidade da população ser destruída."

Não à toa, a relação entre o setor e a cidade é tênue. Alguns celebram que a cidade, enfim, se desprenderá da mineração; já outros questionam o que será dela após o fim do minério. Existem também ideias para prolongar a permanência do setor no município.

O prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage, cita três: 1) reminerar o rejeito armazenado nas barragens, a exemplo do que a Vale já faz no Pará; 2) beneficiar o minério extraído em outras cidades; e 3) criar minas subterrâneas no município. A Vale, porém, não demonstrou interesse em nenhuma delas até agora. E nem outras empresas.

"Fala-se em Itabira que há muito minério debaixo da cidade, mas o custo de produção para isso é alto. Pode ser que um dia seja explorado esse minério, mas eu acredito que, enquanto houver Carajás com superprodução de fácil acesso e mais barata, esse será um projeto adiável", diz Lage. "Essa é uma estratégia industrial, não é política nem social."

Na falta de opções viáveis, o município tenta buscar alternativas. Tarefa difícil, já que todas as anteriores falharam. Na década de 1990, Itabira criou um fundo com dinheiro dos royalties da mineração para fomentar a indústria e o agronegócio, mas a maior fatia do financiamento foi para empresas da cadeia do setor, o que manteve a dependência da cidade.

Agora, a prefeitura tenta emplacar um programa de diversidade econômica financiado em parte pela Vale, mas caminha a passos lentos. Uma das vertentes é fomentar o turismo na cidade para atrair fãs de Carlos Drummond de Andrade.

Situação semelhante acontece em Rio Piracicaba, onde a Vale suspendeu suas operações em 2022 sob o argumento de que lhe faltava uma licença ambiental, ainda que alguns especialistas relacionem a pausa à viabilidade econômica do projeto. A mina na cidade produz um minério com teor de 41%, o menor extraído pela mineradora.

"Eu fui comunicado no dia 15 de dezembro por uma ligação telefônica que a mina ia paralisar em 1º de janeiro; não houve ofício nem planejamento, foi algo inesperado", afirma o prefeito Augusto Henrique da Silva. A previsão é que ela volte a operar no ano que vem.

Noventa e cinco por cento da receita da cidade vem da mineração e, com a paralisação, o município deixou de arrecadar R$ 218 milhões entre 2022 e 2023. A prefeitura estima uma queda de 74% das receitas em 2025 em relação à arrecadação de 2021, de R$ 91 milhões. "O município tomou uma porrada no meio do estômago; nossa situação serve como um alerta para outros", diz Augusto.

Mas, ao menos em discursos, as grandes mineradoras ainda fazem questão de publicitar seus investimentos em Minas Gerais; seja devido ao peso político do estado ou porque as operações de ferro de algumas empresas estão restritas à região, como é o caso da Anglo American e da CSN, as duas maiores pagadores de royalties depois da Vale. Um levantamento feito pelo Ibram, entidade que representa as mineradoras, estima que MG será o estado que mais receberá investimentos do setor até 2028.

"A Anglo American confia e continua focada em operar com excelência no Minas-Rio", disse a mineradora em nota à Folha, ressaltando que seu produto beneficiado "é essencial para a descarbonização da cadeia produtiva do aço". Já a CSN pretende investir R$ 15,3 bilhões para expandir suas operações.

A Vale também segue essa lógica. A empresa diz que metade das 360 milhões de toneladas anuais de minério de ferro projetadas para serem extraídas no início da próxima década devem vir de Minas Gerais (e a outra metade do Pará), ainda que o projeto de expansão não inclua algumas cidades em que ela opera há décadas, como é o caso de Itabira.

O equilíbrio dessa expansão, porém, não é certo. Isso porque, para atingir esses números, a empresa precisará obter o licenciamento ambiental do projeto Apolo, no centro de MG, alvo de questionamentos de movimentos sociais e de parte da classe política mineira desde 2009, quando a mineradora iniciou, sem sucesso, as conversas com o governo estadual. Ambientalistas dizem que o projeto ameaça a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte –o que a Vale nega.

As 14 milhões de toneladas de minério extraídas em Apolo seriam as únicas em MG a atingir teor superior a 60%, chegando próximo ao teor do de Carajás. Nos demais complexos, a Vale precisará concentrar o minério, como é feito hoje no estado, o que torna a operação mais cara do que as do Pará.

"Hoje a Vale tem problemas muito graves de licenciamento em MG, incluindo Apolo, e às vezes a partir do desgaste que vai gerar, a empresa [prefere] investir em outro lugar", diz André Viana, conselheiro de administração da Vale indicado pelos funcionários.

A Vale pretende também até 2026 começar a operar um projeto em Ouro Preto, além de expandir suas operações em Nova Lima, cuja metade da arrecadação é ligada ao setor. "A história da cidade está atrelada à mineração e aqui a atividade é ainda bastante forte, mas sabemos que ela em algum momento chegará ao fim", diz o prefeito de Nova Lima, João Marcelo Dieguez.

Apesar dos anúncios das empresas, a perda de hegemonia de MG é tratada oficialmente até pelo Ibram. Segundo Raul Jungmann, presidente da entidade, nem o peso político do estado vai conseguir parar o movimento. "Essa competição vai ficar cada vez mais acirrada, mas a tendência é que o Pará cresça em uma velocidade maior", diz.

"Existe uma certa fadiga em Minas Gerais, por conta da sua história e do crescimento da articulação social que existe lá. Quando se ia explorar em Ouro Preto, no século 18, a cidade era uma vila de 3.000 pessoas, mas hoje tem mais de 100 mil, assim como Belo Horizonte, que tem seu entorno muito tomado por mineradoras. Isso gera uma certa fadiga por conta dos impactos", acrescenta Jungmann. Isso sem contar as tragédias de Mariana e Brumadinho e os desalojamentos forçados no interior do estado, muito recentes nas memórias dos mineiros.

É um dilema. Mas pode ser que a realidade do estado, ou ao menos de Itabira, esteja próxima da sonhada por Drummond.

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