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'Não sou líder de escritório', diz a primeira CEO brasileira da Anglo American

Ana Sanches foi escolhida no final do ano passado para presidir empresa que gera 12 mil empregos

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São Paulo

O tom e o jeito de falar de Ana Cristina Sanches Noronha, 47, denunciam a sua mineirice.

"Se você estivesse aqui, a gente tomava um cafezinho e comia um pão de queijo", diz ela à Folha, enquanto lamentava a entrevista por vídeo.

Nascida em Belo Horizonte, a executiva assumiu em dezembro do ano passado a presidência da Anglo American no Brasil. O conglomerado britânico é uma das maiores empresas de mineração do mundo. Uma mulher nunca havia ocupado o cargo.

Ana Sanches no escritório da Anglo American em Belo Horizonte, cidade natal da CEO - Alexandre Rezende/Folhapress

"Eu sou a primeira, mas não quero ser a única", afirma.

Formada em economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e em ciências contábeis pela Fumec (Fundação Mineira de Educação e Cultura), ela tem 26 anos de experiência em finanças, auditoria, planejamento estratégico e desenvolvimento de novos negócios. Também tem cursos de educação executiva na Harvard Business Schoool, Columbia University e London School of Economics.

Na Anglo American há 12 anos, Ana Sanches era diretora financeira nas áreas técnica, de sustentabilidade, projetos e desenvolvimento em Londres.

Como presidente, assume companhia que gera 12 mil empregos diretos e indiretos, com investimentos previstos de R$ 12 bilhões no Brasil até 2027. A Anglo American planeja reduzir em 30% a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa até 2030 nos negócios de minério de ferro (a Minas-Rio) e de níquel (Codemin e Barro Alto).

Mas Ana quer ser lembrada como executiva que gosta de colocar uniforme, ir às comunidades onde estão os campos de mineração e falar com as pessoas.

"É lá que estão as oportunidades", assegura.

Como tem sido o retorno ao Brasil após quase três anos na matriz da Anglo American, em Londres?
É bom estar de volta. Toda minha carreira sempre teve muitas viagens. Comecei como consultora na Arthur Andersen. Sempre percorri esse Brasil todo.

Ser a primeira mulher coloca uma responsabilidade ainda maior do que já existe em comandar a divisão brasileira de uma das maiores mineradoras do mundo?
Eu sou a primeira, mas não quero ser a única. Quero mais mulheres, quero cada vez mais diversidade. Vejo enorme valor na diversidade e acredito nesse poder.

Guardo dentro de mim essa vontade de transformação. Sinto uma abertura muito grande na Anglo American de aproveitar ideias. É sempre com o coletivo que a gente ganha.

O que acho mais bacana nessa caminhada é ela ser conjunta. Não é uma disputa. É a força do coletivo.

São pouco mais de dois meses como CEO. Como tem sido até agora?
Antes de ir para Londres, eu era diretora financeira no Brasil. A minha temporada em Londres abriu demais meu leque para ver tudo com outras perspectivas.

Está sendo muito bacana. Posso fazer o que mais gosto, que é estar com as pessoas. Tenho interesse em saber como diferentes áreas estão, escutar as pessoas, ir às operações, tirar essa roupinha de executiva e ir àquele ambiente. Ver como elas vivem.

Esse contato com as pessoas me faz entender a minha liderança e o impacto positivo que isso pode causar nelas e nas comunidades.

Recebo isso com muita humildade. Isso tudo eu tenho de absorver e é algo extremamente enriquecedor.

A mineração no Brasil sofreu abalos na opinião pública após tragédias de Brumadinho e da Samarco, entre outras. Embora nenhum delas tenha envolvido a Anglo American, vê como seu papel melhorar essa percepção das pessoas com relação às mineradoras?
Temos um trabalho para sermos cada vez mais atuantes e atentos na comunicação. Estamos abertos para conscientizar a sociedade quanto ao papel da mineração.

A gente precisa estar aberto para contar nossas histórias, ajudar as pessoas a entenderem o que e a mineração e como fazemos isso de forma responsável.

Temos valores que nos guiam, temos propósito de usar a mineração para mudar a vida das pessoas. Isso tem de estar embutido nas pequenas, médias e grandes decisões. Que não fique apenas no discurso. É o nosso jeito de trabalhar e é por isso que estou aqui. Eu verdadeiramente acredito nisso.

A gente tem orgulho de contar que recebeu recentemente o padrão de qualidade IRMA 75, que é o mais alto na mineração. Somos as únicas operações de minério de ferro e níquel do mundo [a receberem a certificação].

Quando vejo isso como líder dessa instituição, vejo que a gente tem de continuar com nossa humildade. Continuar escutando, entendendo. É uma sinalização.

A sra. mencionou como o contato com as pessoas tem impacto positivo. Isso significa ir às cidades em que a Anglo American explora a mineração?
É lá que estão as oportunidades. Lá que as ideias surgem e é onde tudo acontece. As ideias ficam aguçadas. E eu vou mesmo.

A gente coloca o pé na estrada, pega avião, vai para Barro Alto (GO), Niquelândia (GO), Conceição do Mato Dentro (MG). Minha visão estratégica é aguçada e como líder consigo entender as necessidades [da região] e potencializar [os resultados].

Pode dar um exemplo de entender as necessidades da região ou de ações transformadoras?
Lançamos em 2017 um programa de realocação voluntária. Eu quis visitar as famílias [antes] e voltei depois do reassentamento.

É difícil descrever as condições de moradia antes, dos pouquíssimos recursos, do chão de terra batida... A gente depois vê a casa construída por nós, que respeita aquela família e quando às vezes é preciso de ensinar a dona de casa como limpar um piso de porcelanato porque nunca havia tido aquilo antes.

Quando a gente vive aquela experiência, vê o que era antes e o que ficou depois… Para perceber isso, tem de colocar uniforme, capacete e sair para conhecer.

São experiências que a gente vê na prática e nos transforma. O líder precisa ter essa sensibilidade e percepção. Eu não sou líder de escritório. Essa não é a Ana.

Qual o cenário futuro que enxerga para a mineração?

É um setor tão cíclico... O que nos diferencia é a resiliência para passar por diferentes ciclos e garantir a nossa continuidade, a entrega dos compromissos.

Nas commodities, a gente é impactado por grandes movimentos. A China é um grande termômetro mesmo não sendo nosso principal mercado consumidor.

Não podemos perder o foco e a oportunidade de ser mais eficientes. Temos de implantar disciplina nas operações, independentemente dos ciclos econômicos. Ganhar esse músculo que nos permita passar pelos ciclos.

A Anglo American anunciou há duas semanas um acordo para adquirir e integrar, aos ativos da Minas-Rio, os recursos de minério de ferro da Vale na Serra da Serpentina (MG). O que isso vai agregar às operações da sua empresa?
É uma bela oportunidade para os nossos negócios de minério de ferro e estender as operações. São recursos [de minério de ferro] bem significativos, com teor de 40%, maior do que a gente tem, que são de 32%. E as características [do minério] são bem mais adequadas ao que a nossa planta pode receber.

Alongamos nossos recursos porque há outros minérios bem mais difíceis de serem processados. Mineração é algo de longo prazo. Estamos sempre pensando para frente.

Sempre queremos minério de alta qualidade, que são bem recebidos pelos clientes. Pelo teor [de 40%], é muito positivo nesse sentido.

Amplia a capacidade de produção também?
Temos a possibilidade de aumentar a nossa capacidade. São 26,5 milhões de toneladas por ano de capacidade nominal, mas acreditamos conseguir chegar a 31 milhões de toneladas hoje em dia. Vamos ver a possibilidade de até dobrar nossa capacidade de produção.

Foi um dos primeiros anúncios feitos depois que a sra. assumiu a presidência. Quando começaram as negociações?
Essa negociação com a Vale começou há um ou dois anos e as conversas foram amadurecendo. Elas se intensificaram nos últimos tempos e conseguimos a aprovação dos conselhos das duas empresas e da matriz a Anglo American em Londres.

A gente vê isso como algo muito positivo para nós, para a Vale e para toda a região de Conceição do Mato Dentro (MG), que é belíssima e onde estamos há alguns anos.

Ter duas empresas de mineração operando ali ao mesmo tempo seria algo mais desafiador. Vejo como algo benéfico para a região.


Raio-X

Ana Sanches, 47
Formada em economia e ciências contábeis, começou a carreira na Arthur Andersen, empresa internacional de auditoria. Foi contratada pela Anglo American há 12 anos, onde passou por diferentes cargos na América do Sul e na sede do conglomerado, em Londres. No final do ano passado, foi escolhida para presidir a mineradora no Brasil

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado, a cidade de Barro Alto está localizada no estado de Goiás e não na Bahia. O texto foi corrigido.

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