Na democracia, partidos perdem eleições, mas Evo não parece disposto a isso
Presidente boliviano põe em risco integridade da ordem constitucional que ele próprio promoveu
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A tentativa do presidente boliviano Evo Morales de permanecer no poder não apenas revelou suas tendências autocráticas como pôs em risco a integridade da ordem constitucional que ele próprio promoveu.
Hoje a Bolívia enfrenta um impasse político entre Evo e seu rival, Carlos Mesa, devido à contagem de votos da recente eleição presidencial.
Altamente céticos quanto à independência das autoridades eleitorais, Mesa e sua coalizão (Comunidade Cívica) alegam que o partido governista, o Movimento para o Socialismo (MAS), manipulou os resultados para evitar um segundo turno.
Restam poucas dúvidas de que as autoridades eleitorais fizeram um mau trabalho. A fraude é uma possibilidade, ainda que até agora haja poucas evidências dela.
A vantagem apertadíssima do presidente, somada à sua candidatura controversa, sugere uma crise política em formação, com efeitos colaterais potencialmente destrutivos.
Em 2006, Evo se tornou o primeiro presidente boliviano indígena e foi reeleito em 2009 e 2014.
Em fevereiro de 2016, as oposições de esquerda e de direita se uniram e conseguiram 51,3% dos votos em um referendo para alterar limites constitucionais a mandatos presidenciais. O índice era o suficiente para frustrar a tentativa de Evo de legalizar sua quarta candidatura.
Após essa derrota, o MAS se viu com duas opções: escolher um novo candidato ou procurar maneiras legalmente dúbias de possibilitar uma nova tentativa de Evo. A legenda optou pela segunda alternativa.
Essa decisão reforçou os receios da oposição sobre um recuo democrático. Pesquisadores concordam que a democracia boliviana se enfraqueceu, e limites e contrapesos à autoridade presidencial estão sendo pouco respeitados.
Mas estudos também indicam que a democracia boliviana se tornou mais democrática em termos de participação e inclusão.
Setores antes à margem da vida política, incluindo os povos indígenas, alcançaram maior representação e influência na formulação das políticas públicas.
Segundo o Latinobarómetro, em 2017 os bolivianos foram os latino-americanos que menos concordaram que seu país é governado apenas em benefício dos poderosos.
Muitos bolivianos sentiram os efeitos de ações governamentais que os beneficiaram.
De modo geral, porém, inúmeras bandeiras vermelhas destacam a natureza deficiente da democracia boliviana hoje.
Evo parece estar preparado para ser candidato perpétuo, e os confrontos atuais sugerem que a integridade do regime eleitoral está em risco.
Afinal, a democracia é um sistema no qual partidos perdem eleições. Mas Evo não parece disposto a deixar que isso aconteça.
A oposição descreveu a eleição de outubro em termos apocalípticos. Para ela, a derrota de Evo significaria o retorno à democracia. Já a vitória consolidaria uma ditadura.
Para Evo, uma vitória lhe permitiria aprofundar transformações que já estão em curso. Cada lado acusou o outro de colocar a democracia em risco e enfatizou dimensões diferentes da democracia.
Esse tipo de polarização é altamente preocupante. Quando Evo tacha os manifestantes de golpistas, isso obscurece o fato de que boa parte da população está frustrada com seus abusos de poder muito reais.
Já a convocação de Mesa para defender a democracia contra fraudes —muito antes de ser concluída a contagem oficial dos votos— foi uma retaliação perigosa que agravou as tensões sociais.
O estado incerto do regime boliviano hoje revela uma ambiguidade crucial, mas frequentemente não reconhecida, em relação à democracia em sociedades altamente desiguais: muitas vezes a busca por mecanismos de responsabilização horizontal é contraposta à promoção da inclusão.
Evo promoveu a inclusão em detrimento da responsabilização. A crise atual sugere que esse tipo de escolha pode ser difícil de harmonizar no longo prazo.
Santiago Anria é professor assistente no Dickinson College.
Jennifer Cyr é professora associada da Universidade do Arizona.
Tradução de Clara Allain
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