Um dia após Evo Morales ser reeleito em um primeiro turno questionado, o que levou diversos países e organizações a solicitarem a realização de um novo pleito para esclarecer dúvidas sobre a contagem de votos, o governo brasileiro disse, pelo Twitter, que não reconhece a vitória.
"O Brasil não reconhecerá, neste momento, qualquer anúncio de resultado final", afirma a publicação do Itamaraty na noite desta sexta-feira (25).
Após a divulgação, na noite de domingo, dos primeiros resultados parciais do pleito boliviano que indicaram a realização de um segundo turno, uma nova contagem, feita voto a voto, foi anunciada mais de 20 horas depois.
Nela, Evo aparecia próximo da vitória, levantando suspeitas de fraude entre oposição e observadores internacionais. Mesa, que governou o país entre 2003 e 2005, denunciou o processo como uma "fraude".
Desde então, protestos na Bolívia ocorrem todos os dias, com bloqueios de ruas e confrontos.
Uma greve parcial foi realizada nesta sexta na capital junto a um protesto pacífico contra a apuração que, por margem estreita, deu ao atual presidente um novo mandato de cinco anos sem precisar de um segundo turno contra o opositor Carlos Mesa.
A contagem final, divulgada pelo Tribunal Supremo Eleitoral, mostrou Evo com 47,08% e Carlos Mesa com 36,51%. Na Bolívia, um candidato vence no primeiro turno se obtiver pelo menos 40% dos votos e dez pontos percentuais de diferença para o segundo colocado.
Nesta sexta, em todas as partes de La Paz havia pessoas carregando faixas "não à ditadura", bandeiras com as cores da Bolívia e gritando "respeitem meu voto". Policiais patrulhavam principalmente praças e rotatórias para impedir o bloqueio de ruas.
Os poucos ônibus que operavam procuravam rotas alternativas para chegar ao centro de La Paz, que estava calmo. Os bancos funcionavam normalmente, assim como escritórios e empresas públicas.
Embora na região central lojas estivessem abertas, muitos estabelecimentos nas franjas da cidade fecharam devido às barricadas de manifestantes.
Em Santa Cruz de la Sierra, Sucre, Cochabamba e Potosí também houve greve convocada pela oposição.
Em Santa Cruz, principal baluarte da oposição, os supermercados abriram suas portas por algumas horas, o que permitiu às pessoas estocar alimentos.
Já em Cochabamba houve confrontos entre apoiadores do governo e manifestantes da oposição, sem deixar feridos, segundo a mídia local.
Evo retomou sua agenda pública nesta sexta-feira, depois de proclamar vitória no dia anterior, e foi inaugurar obras em aldeias rurais, onde agradeceu o apoio dos camponeses na votação e disse que é perseguido por ter origem indígena.
"Respeitamos e saudamos o voto urbano e estrangeiro, mas o voto na área rural garantiu o processo de mudança e, portanto, o desenvolvimento do povo boliviano. Muito obrigado pelo apoio, agora temos que continuar trabalhando pelo bem da sociedade", declarou o presidente, no poder desde 2006, diante de uma multidão que o aplaudiu.
Com a vitória, ele parte para um quarto mandato consecutivo e ficará no cargo até 2025. Ao todo, serão 19 anos no poder.
Em Cochabamba, Evo voltou a dizer que, se for preciso, participará de uma nova votação, no qual projeta "uma surra" contra Mesa.
Também pediu a seus apoiadores que evitem confrontos porque, segundo ele, os ativistas que acusam o governo de fraude “buscam mortos”.
O presidente, que completa 60 anos neste sábado, ganhou dois bolos dos camponeses, que cantaram "parabéns" ao mandatário.
México e Cuba parabenizaram o presidente pela reeleição, mas União Europeia, Estados Unidos, Argentina, Brasil e Colômbia se mostraram contra a questionada contagem de votos e exigiram a realização de um segundo turno para dirimir as dúvidas sobre o processo eleitoral.
A missão de observação eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) também recomendou outro pleito entre Evo e Mesa como a "melhor opção" para resolver o imbróglio —o próprio governo boliviano chegou, em um primeiro momento, a pedir uma revisão da contagem pelo órgão.
A proposta foi corroborada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que disse apoiar "totalmente" a OEA na condução de uma auditoria dos resultados das eleições.
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, por sua vez, pediu o reconhecimento da legitimidade da reeleição de seu aliado andino, em discurso na abertura da cúpula do Movimento Não Alinhado em Baku, capital do Azerbaijão.
"Toda a nossa solidariedade vai para o povo da Bolívia e, especialmente, para o irmão presidente Evo Morales Ayma", disse Maduro, pedindo que "reconheçam a legitimidade da vitória de Evo contra as forças colonialistas".
Em Genebra, o Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos expressou preocupação com "relatos de violência" e relata que "a polícia usa a força contra manifestantes" com gás lacrimogêneo, "o que pode violar princípios básicos no uso da força".
De acordo com o jornal local El Deber, a Defensoria do Povo da Bolívia informou que, até esta sexta, houve o registro de 27 feridos e 57 detenções devido aos protestos.
Entre os feridos, 23 são civis, dois deles jornalistas, uma criança, dois adolescentes e uma idosa. Os números também incluem quatro policiais —um está em estado greve.
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