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Protestos internacionais têm diferenças e contextos significativos

Desigualdade e corrupção motivam protestos no hemisfério sul, enquanto atos no norte focam tentativas de desmantelar o Estado de bem-estar social

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Judith Teichman
Latino América 21

O ano de 2019 testemunhou protestos em todo o mundo, da Europa e Ásia à América Latina. Se bem seja tentador concentrar as atenções nas semelhanças entre os movimentos de protesto, é importante ter em conta diferenças significativas.

Ainda que a falta de resposta dos governos a demandas e preocupações do público quanto à desigualdade tenha sido uma característica comum a muitos protestos, os contextos específicos da angústia pública variam significativamente entre os países.

Enquanto questões distributivas, entre as quais carestias substanciais e pobreza, bem como corrupção em grande escala, são os propulsores dos protestos no hemisfério sul, os protestos no norte giram em torno de tentativas de desmantelar o Estado de bem-estar social, dos problemas ambientais e de outras questões menos graves relacionadas à erosão da democracia.

Na França, o movimento dos "coletes amarelos" surgiu em 2018, composto em grande medida por moradores de regiões rurais que mal podiam arcar com o aumento nos preços dos combustíveis anunciado pelo governo. À medida que o movimento ganhava impulso, no entanto, ampliou seu espectro de partidários e suas preocupações se voltaram ao alto custo de vida em termos gerais. O aumento dos impostos sobre a riqueza e do salário mínimo estavam entre suas demandas. 

Mais recentemente, os “coletes amarelos” se uniram aos sindicatos do país em protesto contra diversas medidas que erodiriam o Estado de bem-estar social, como a redução no salário-desemprego, mudanças nas leis trabalhistas que facilitam contratações e demissões, e aumento na idade mínima para aposentadoria. Enquanto isso, o governo francês reduziu os impostos dos ricos.

Não obstante, a França é um dos cinco países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) onde a desigualdade de renda e a pobreza diminuíram nos últimos 20 anos. Os números da pobreza francesa estão abaixo da média da OCDE. Os manifestantes franceses estão lutando para manter o generoso Estado de bem-estar social do país.

Consideremos agora os protestos no Haiti, onde surgiram distúrbios generalizados em resposta a um aumento nos preços dos combustíveis, e cresceram as manifestações contra a corrupção. O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental, com um nível de pobreza extrema de 25% em sua população.

A desigualdade é extremamente alta. O Haiti tem um dos maiores números de milionários do hemisfério, como proporção da população. Quase um quarto dos cidadãos não tem eletricidade, aproximadamente metade deles não tem acesso a água potável, e porcentagem semelhante das crianças haitianas não vai à escola. Estima-se que haja 100 mil crianças desnutridas. Milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar.

Os manifestantes que afirmam que o regime atual se mantém graças ao apoio internacional, estão exigindo o indiciamento da classe governante corrupta. O governo Trump expressou apoio ao atual presidente haitiano, Jovenel Moise, por conta de sua oposição ao presidente venezuelano Nicolás Maduro.

Trata-se obviamente de cenários marcadamente contrastantes. Mas minha comparação sublinha as importantes diferenças de contexto: as questões de privação material e de qualidade democrática são consideravelmente mais graves no sul do que no norte.

Os protestos de Hong Kong não giram em torno de carências materiais, e sim constituem um movimento em favor da democracia. No Reino Unido, os protestos se referem à saída do país da União Europeia. Se bem existam questões econômicas envolvidas (diferenças nas bases regionais contra e a favor do brexit), surgiram protestos adicionais por conta da manobra do primeiro-ministro Boris Johnson para suspender o Parlamento –com manifestantes gritando “impeçam o golpe” e rotulando Johnson como “ditador”.

Nos países mais pobres, os protestos estão estreitamente relacionados a questões básicas de sobrevivência e a queixas muito mais grave sobre a qualidade da democracia e sobre a corrupção. No Peru, agricultores e trabalhadores indígenas, diante das ameaças de contaminação de suas terras e de seu suprimento de água, bloquearam o acesso de companhias de mineração às minas de cobre; o governo se posicionou em favor das empresas.

No Chile, os protestos em curso, provocados originalmente por um aumento nos preços do combustível, se expandiram a uma oposição geral ao nível altíssimo de desigualdade no país. As proteções trabalhistas e sociais foram quase totalmente desmanteladas no Chile durante o período de governo militar.

A maioria dos países da América Latina não desenvolveu nada nem parecido a uma proteção social equitativa, e ampliou seus programas sociais apenas recentemente, no auge do boom das matérias-primas na década de 2000. 

No Equador, aqueles que protestam o fazem pelo corte no subsídio aos combustíveis, em função de um pacote de corte de gastos adotado por conta de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esses cortes terão impacto negativo sobre o custo de vida dos mais pobres.

À medida que crescia a pobreza extrema na Bolívia, esta e a ingerência do presidente Evo Morales no processo eleitoral, e a participação explícita dos militares em sua saída do poder, se tornaram sérios desafios à democracia.

Essas importantes diferenças de contexto servem para que recordemos a persistência da desigualdade mundial e as diferentes formas pelas quais as estruturas de poder, nacionais e internacionais, afetam o bem-estar humano.

Os protestos mundiais nos repetem que há algo de errado: os governos não respondem. Suas diferenças contextuais nos fazem recordar a natureza diferencial do sofrimento humano em todo o planeta.

Judith Teichman é professora de ciência política e desenvolvimento internacional na Universidade de Toronto. Membro da Royal Society of Canada e autora de livros e artigos sobre política e formulação de políticas na América Latina.

Tradução do inglês de José Ramón López Rubí

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.

Tradução de Paulo Migliacci

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