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Atos ignoram toques de recolher, mas violência diminui em 8ª noite de protestos nos EUA

Manifestações que se espalharam no país e no exterior foram, em sua maioria, pacíficas

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Minneapolis e Washington | Reuters

Os atos da oitava noite consecutiva de protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos ignoraram quase completamente os toques de recolher impostos em dezenas de cidades americanas e as ameaças do presidente Donald Trump de enviar militares para reprimir os manifestantes.

Os protestos —que foram, em sua maioria, mais pacíficos do que em dias anteriores— levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas por todo o país durante a noite desta terça-feira (2) e a madrugada desta quarta (3).

De acordo com levantamento do jornal USA Today, foram registrados atos em pelo menos 430 cidades americanas.

Mais de mil manifestantes se reuniram ao redor das grades que cercam a Casa Branca, residência oficial do presidente. Do lado de dentro, a segurança foi reforçada com centenas de agentes. Nas ruas da capital, Washington, veículos militares, tanques blindados, soldados e a cavalaria cumpriam, em parte, o desejo de Trump de sinalizar força e controle.

Manifestantes reunidos do lado de fora da Casa Branca, residência oficial do presidente dos EUA - Jim Bourg - 2.jun.20/Reuters

O Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos EUA, confirmou o envio de cerca de 1.600 soldados para postos militares em Washington. As tropas serão utilizadas para ajudar as autoridades civis, se necessário, de acordo com um porta-voz, que classificou o deslocamento dos soldados como uma "medida de planejamento prudente".

Nesta semana, Trump disse que enviaria "milhares e milhares" de homens do Exército fortemente armados para as ruas caso prefeitos e governadores não conseguissem conter as manifestações. O líder republicano disse ainda que os governadores que não usassem táticas mais agressivas contra os atos pareceriam "babacas".

Nesta quarta, a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, em uma crítica aos manifestantes, afirmou que a Primeira Emenda da Constituição americana não garante a ninguém o direito de vandalizar lojas ou propriedades, queimar empresas e atacar cidadãos e oficiais de polícia. Ela acrescentou que a lei garante o direito de protestar pacificamente.

No Capitólio, a sede do legislativo americano, uma multidão se ajoelhou na tarde desta terça (2), entoando palavras de ordem como "silêncio é violência" e "sem justiça, sem paz", em resposta aos policiais que tentaram dispersar o grupo pouco antes do toque de recolher imposto pelo governo.

Muitos dos manifestantes têm se ajoelhado durante os protestos, em referência à maneira como George Floyd foi assassinado por um policial branco na semana passada em Minneapolis, no estado de Minnesota.

Aos 46 anos, Floyd foi morto na segunda-feira (25) depois de ter o pescoço prensado contra o chão por quase nove minutos pelo joelho de um policial branco. O agora ex-agente Derek Chauvin foi preso na sexta-feira (29) e transferido para uma prisão de segurança máxima, onde espera julgamento.

A ação, gravada por testemunhas, viralizou nas redes sociais e mobilizou o país. Os atos que se seguiram à morte de Floyd começaram pacíficos. À medida que se alastraram pelo país, no entanto, houve inúmeros embates entre policiais e manifestantes, e lojas foram incendiadas e saqueadas, gerando críticas duras aos ativistas, como as do presidente Trump, que os tem chamado de "bandidos".

Na noite desta terça e madrugada desta quarta, a violência dos atos parece ter sido contida.

Houve saques em algumas lojas de Nova York, mas em número bem menor do que vinha sendo registrado desde o início da semana. Segundo a polícia, cerca de 200 pessoas foram presas, a maioria por violações do toque de recolher.

Uma multidão que vinha do Brooklyn foi impedida pela polícia de atravessar a ponte que leva ao distrito de Manhattan. Depois do impasse, durante o qual parte dos manifestantes convocou os policiais a marcharem com eles, o grupo deixou a entrada da ponte e voltou ao Brooklyn.

Em Buffalo, no norte do estado de Nova York, uma mulher foi presa nesta terça por dirigir um carro e atingir três policiais durante uma manifestação na segunda.

De acordo com a agência de notícias Associated Press, em todo o país, mais de 9.000 pessoas foram presas durante os protestos.

Em Los Angeles, na Califórnia, a polícia disse que prendeu centenas de manifestantes durante um ato pacífico em frente à casa do prefeito Eric Garcetti. Mais cedo, o próprio Garcetti se juntou à multidão e ficou de joelhos em protesto contra a morte de George Floyd.

Centenas de pessoas também se reuniram no Hollywood Boulevard, também em Los Angeles, marchando por pontos famosos da indústria do cinema. Outros se reuniram do lado de fora da sede do Departamento de Polícia de Los Angeles, no centro da cidade, em alguns casos abraçando e cumprimentando uma fila de policiais.

Manifestante encara policial em Los Angeles, na Califórnia - Agustin Paullier - 2.jun.20/AFP

Em Seattle, no estado de Washington (na Costa Oeste), os atos reuniram cerca de mil pessoas no centro de operações de emergência da cidade. Um grupo exigia falar com a prefeita, Jenny Durkan, e foi convidado a entrar.

Em seguida, Durkan saiu do prédio e se dirigiu diretamente aos manifestantes pela primeira veze desde o início dos atos, na semana passada. A prefeita prometeu manter diálogo com os manifestantes e fazer reformas no Departamento de Polícia da cidade.

Os protestos continuaram no centro da cidade. Algumas pessoas usavam guarda-chuvas para se protegerem de possíveis disparos de spray de pimenta por parte da polícia, mas não foram registrados conflitos com os agentes. O toque de recolher foi estendido até sábado (6).

Em Portland, no estado do Oregon, manifestantes lançaram garrafas e fogos de artifícios contra policiais, que revidaram com granadas de atordoamento, gás lacrimogêneo e spray de pimenta.

Em Atlanta, na Geórgia, quatro policiais e dois ex-policiais foram acusados ​​de usar força excessiva enquanto prendiam dois estudantes. Minneapolis, berço das manifestações no país, iniciou uma investigação sobre possíveis práticas discriminatórias no departamento de polícia nos últimos dez anos.

Na Filadélfia, centenas de manifestantes se reuniram em frente à prefeitura na tarde desta terça-feira (2) e tentaram derrubar uma estátua do ex-prefeito Frank Rizzo, um dos primeiros defensores da política de identidade branca. O atual prefeito, Jim Kenney, disse mais tarde que a estátua foi removida.

Em Houston, no Texas, onde Floyd nasceu e viveu a maior parte de seus 46 anos, cerca de 60 mil pessoas se reuniram em um memorial organizado por amigos e familiares da vítima que desencadeou a onda de protestos. Ele foi lembrado como "um gigante gentil" em depoimentos emocionados.

Após a cerimônia, a multidão marchou em direção à prefeitura da cidade. Até o momento, não houve protestos violentos em Houston, o que tem sido atribuído ao próprio legado de Floyd.

O prefeito, Sylvester Turner, negro, disse que entende a dor dos manifestantes e que eles estão causando um grande impacto.

"Pessoas que estão em cargos eletivos e posições de poder, nós estamos ouvindo. É importante para nós não apenas ouvir, mas fazer. Quero que saibam que sua marcha, seus protestos não foram em vão. George não morreu em vão."

Um vídeo nas redes sociais mostra a filha de Floyd, Gianna, 6, dizendo: "Papai mudou o mundo".

A mãe de Gianna, Roxie Washington, disse, durante uma entrevista coletiva em Minneapolis, que quer justiça e que todos os policiais envolvidos na morte de Floyd paguem pelo assassinato.

"No final do dia, eles chegam em casa e ficam com suas famílias", disse. "Gianna não tem pai. Ele nunca a verá crescer e se formar."

O irmão de Floyd, Terrence, disse que os protestos "não trarão o irmão de volta" e pediu que as pessoas se manifestem de outra maneira, sem atos violentos.

"Ele não gostaria que vocês fizessem isso. Parem de pensar que suas vozes não importam e votem."

Em uma live nesta quarta, o ex-presidente Barack Obama disse que os protestos pela memória de Floyd foram diferentes de tudo o que já viu —e previu que haverá um despertar da sociedade, que pode aproveitar o momento para promover mudanças.

"O que aconteceu nas últimas semanas desafia problemas estruturais dos Estados Unidos", disse, referindo-se tanto aos protestos quanto à pandemia de coronavírus, que, segundo ele, expôs a desigualdade do sistema de saúde americano.

Ele ressaltou o número de jovens que tomaram parte dos atos da última semana, comparando-os a movimentos passados —como o feminismo e o movimento LGBT dos anos 1960— que também foram formados por jovens. Eles "comunicaram um senso de urgência" ao país, dando o recado de que é preciso mudar, segundo Obama.

O ex-presidente também pediu a todos os prefeitos que revejam a maneira com que empregam a força policial e se comprometam a fazer reformas e transformá-las em leis que possam ser implementadas.

"Lembrem-se: este país foi fundado a partir de protestos", disse Obama, na sua primeira aparição em vídeo desde que os protestos tomaram as ruas dos EUA.

O ex-secretário de Defesa Jim Mattis defendeu os manifestantes e condenou a postura de Trump num comunicado publicado pela revista The Atlantic.

“Donald Trump é o primeiro presidente que vejo que não une o povo americano —nem sequer finge tentar. Em vez disso, ele tenta nos dividir ”, escreveu.

Ele afirmou que os americanos estão testemunhando as consequências de três anos sem uma "liderança madura".

“Não devemos nos distrair com um pequeno número de infratores da lei. Participam dos protestos dezenas de milhares de pessoas de consciência que nos urgem a seguir nossos valores", disse o general aposentado da Marinha.

Protestos se espalham por outros países

Além de atos em Sydney e Paris nesta terça e em Amsterdã, Berlim, Barcelona, Nairóbi e Cidade do México nos últimos dias, representantes da União Europeia e da ONU apoiaram os protestos.

Em Londres, milhares de manifestantes se reuniram, nesta quarta-feira, (3) no centro da cidade, entoando a frase "black lives matter" (vidas negras importam), que se tornou o principal slogan dos protestos antirracismo em todo o mundo.

Alguns manifestantes carregavam cartazes com dizeres como "racismo é uma questão global" e "o Reino Unido não é inocente: menos racista ainda é racista".

"É claro que vidas negras importam", disse o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ao Parlamento, nesta quarta. "Eu entendo totalmente a raiva, a dor sentida não apenas na América, mas em todo o mundo e também em nosso país."

O premiê fez ressalvas aos protestos lembrando as medidas de contenção do avanço do coronavírus.

"Também apoio, como já disse, o direito de protestar. O único argumento que eu colocaria é que qualquer protesto deve ser realizado legalmente e, neste país, os protestos devem ser realizados de acordo com as nossas regras de distanciamento social."

Em mensagem na qual se referiu aos protestos nos Estados Unidos, o papa Francisco afirmou nesta quarta-feira (3) que considera "intolerável" qualquer forma de racismo e condenou a violência registrada em parte das manifestações.

"Não podemos tolerar nem fechar os olhos diante de nenhuma forma de racismo ou de exclusão", disse Francisco em sua audiência, antes de afirmar que "nada se ganha e muito se perte" com reações violentas como as registradas nos últimos dias.

Uma pesquisa divulgada nesta terça-feira mostrou que a maioria dos americanos simpatiza com os manifestantes.

Realizado pela agência de notícias Reuters em parceria com o instituto Ipsos, o levantamento aponta que 64% dos americanos adultos são "simpáticos às pessoas que estão protestando no momento", enquanto 27% disseram que não eram e 9% não tinham certeza.

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