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Descrição de chapéu The New York Times

Briga de Pequenas Sereias na Dinamarca vai parar na Justiça

Responsáveis por obra em Copenhague querem destruição de suposta réplica de Asaa

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Lisa Abend
Asaa (Dinamarca) | The New York Times

Em um dia de ventania na semana passada, Tina Pedersen e Jens Poulsen, dois dinamarqueses em férias, posaram para fotos ao lado da estátua de uma sereia.

De certa maneira, a escultura parecia familiar: pousada sobre uma rocha, junto de um porto, a sereia apoiava o peso do torso nu em um braço, e sua cauda se enrolava delicadamente. Mas Pedersen e Poulsen não estavam em Copenhague, mas a caminho de uma praia turística no outro lado da Dinamarca.

"Ouvimos falar no rádio que o proprietário da 'Pequena Sereia' está exigindo que ela seja destruída", disse Pedersen. "Então pensamos que era melhor virmos conhecê-la enquanto podíamos."

A sereia que vigia o porto da aldeia de Asaa, no norte da Dinamarca, desde 2016, não é exatamente uma réplica do monumento famoso na capital do país. Mas para os herdeiros de Edvard Eriksen, artista que esculpiu a estátua de Copenhague, a de Asaa é parecida demais. Eles iniciaram um processo exigindo não só compensação financeira mas também a destruição da segunda escultura.

A Pequena Sereia de granito na vila de Asaa, na Dinamarca; herdeiros de obra clássica em Copenhague alegam cópia e querem a destruição da estátua - Carsten Snejbjerg/The New York Times

"Quando recebi o email, eu dei risada", diz Mikael Klitgaard, prefeito de Broenderslev, município que inclui Asaa. "Pensei que fosse uma piada." Mas o inventariante de Eriksen não está brincando.

Ele tem uma longa história de proteger zelosamente os direitos de licença da imagem e da escultura, que representa um personagem de um conto de Hans Christian Andersen. Alice Eriksen, neta do artista e supervisora do espólio, não quis comentar. "O caso está correndo."

Advogados de ambas as partes ainda estão negociando, mas se o caso for a julgamento a decisão provavelmente dependerá do quanto a sereia de Asaa se parece com a que está no porto de Langelinie, em Copenhague, desde 1913, quando o magnata da cerveja Carl Jacobsen a deu de presente à cidade.

A escultura, uma das atrações mais visitadas da capital, é feita de bronze e representa uma pequenina sereia que repousa seu peso sobre o braço direito, com a cauda enrolada para o lado oposto. De granito e pesando 3 toneladas, a sereia de Asaa é mais roliça e tem feições mais grosseiras. Sua posição, entretanto, é a mesma.

Estátuas da Pequena Sereia de Copenhage e Asaa, ambas na Dinamarca - Marc Prior e Carsten Snejbjerg/The New York Times

"De que outro modo ela poderia se sentar?", indaga Klitgaard. "É uma sereia. Você não pode colocá-la numa cadeira."

A sereia de Asaa foi criada por Palle Moerk, artista e pedreiro local que esculpe lápides e estátuas figurativas —mãos humanas fazendo gestos (obscenos ou não) são um de seus temas favoritos. Ele havia esculpido a sereia quatro anos antes de ela ser comprada por um grupo de cidadãos de Asaa e doada à administração do porto em seu 140º aniversário.

O artista diz que não gostou da acusação de cópia. "Como artista, você absorve todo tipo de coisas —e, é claro, eu tinha visto fotos da sereia de Langelinie. Mas esta foi inspiração própria."

Depois de comprar um grande bloco de granito, ele o havia deixado em seu pátio, sem saber o que iria esculpir. Certa noite, a musa veio, e ele rapidamente desenhou a sereia num papel que mantinha junto à cama. "Às vezes a pedra fala com você", diz.

A ideia de que sua sereia poderá ser eliminada o perturba. "Não pensei que destruíssemos obras de arte na Dinamarca. Isso é algo que o Talibã faz." Embora o espólio de Eriksen esteja pedindo 37 mil coroas dinamarquesas (R$ 31 mil) como indenização, Moerk e Klitgaard disseram que acham que o processo foi motivado por ganância. O direito autoral do espólio vai expirar em 2029 —70 anos após a morte do artista—e, segundo o prefeito, eles "estão tentando ser pagos antes disso".

Já em 1937, Eriksen processou com sucesso uma empresa de artesanato por produzir desenhos para bordado com a sereia —cujo corpo teve como modelo sua mulher, Eline. Mais recentemente, seus herdeiros processaram o jornal Berlingske por ter publicado uma charge da sereia com o rosto de um zumbi e uma foto que a mostrava vestindo uma máscara contra o coronavírus. Em 2020, o tribunal decidiu que o jornal tinha de fato violado o direito autoral e impôs multa equivalente a R$ 242 mil.

Os herdeiros de Eriksen também processaram Bjoern Noergaard, artista que incorporou a imagem da Pequena Sereia à sua obra, como em "A Pequena Sereia Geneticamente Modificada", estátua que hoje fica a algumas centenas de metros da original. "Os artistas sempre se inspiraram em outros artistas", diz Noergaard.

Turistas posam ao lado de estátua da Pequena Sereia em Asaa, vila na Dinamarca - Carsten Snejbjerg/The New York Times

Ele indicou que Carl Jacobsen, quando encomendou a escultura original, instruiu Eriksen sobre como e onde posicionar sua sereia e até especificou que ele modelasse seu rosto no de uma dançarina por quem o industrial se encantou ao assistir a uma versão para balé da história de Andersen.

"O artista tomou o motivo de outro artista", diz Noergaard, e "o desenho do cliente". Ele ganhou o caso.

Com menos de 1.200 habitantes, Asaa terá dificuldades para pagar qualquer indenização, segundo o presidente do porto, Thomas Nymann. Mas o que ele mais espera é não ter de destruir a escultura.

Klitgaard também é contra a ideia de pagar indenização. "Se a nossa fosse de bronze, com a altura e o rosto iguais, tudo bem. Mas elas são muito diferentes. Além disso, está claro que ela é do local —é muito parecida com uma garota de Asaa", diz, piscando um olho.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves  

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