Siga a folha

Eleição acirrada em Portugal projeta governo com prazo de validade, diz professor

Para António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa, pleito testará ascensão do partido de ultradireita Chega

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Lisboa

A menos de uma semana das eleições legislativas em Portugal, marcadas para o domingo (30), pesquisas de intenção de voto exibem um cenário incerto. Pela primeira vez, duas sondagens apontaram ligeira vantagem para o maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita.

A diferença em relação ao Partido Socialista, inferior a 1 ponto percentual e ainda dentro da margem de erro, sinaliza um cenário de difíceis alianças pós-eleitorais para governar o país. Para António Costa Pinto, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o cenário mais provável ainda é o de uma vitória dos socialistas, no poder desde 2015, mas por uma margem pequena.

O premiê de Portugal, António Costa, em local de votação para o pleito legislativo, no Porto - Pedro Nunes - 23.jan.22/Reuters

Com a deterioração das relações do premiê António Costa com os antigos parceiros à esquerda –PCP (Partido Comunista Português) e Bloco de Esquerda—, a solução pode ser um entendimento com a centro-direita. Esse recurso, porém, acabaria por resultar em "um governo a prazo", na avaliação do professor, que conversou com correspondentes da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.

Conhecido pelas posições moderadas e ao centro, o líder do PSD, Rui Rio, notabilizou-se por viabilizar, nos últimos dois anos, propostas do Executivo socialista. Com ele no comando social-democrata, o partido votou favoravelmente a quase dois terços das propostas do governo na última legislatura.

Para Costa Pinto, o posicionamento ponderado do principal nome da oposição dificulta a estratégia socialista de tentar trabalhar com o temor do eleitorado sobre a ascensão da direita e um eventual retorno das políticas de austeridade implementadas após o resgate financeiro internacional de 2011.

"Ganhem os socialistas ou os sociais-democratas, a verdade é que provavelmente o Chega passará a ser indispensável à direita para a formação de qualquer governo", afirma Costa Pinto, em referência ao partido de ultradireita que, indicam as pesquisas, pode se tornar a terceira maior força política portuguesa.

A legenda e seu atual único deputado –André Ventura, que ficou em terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais– acumulam propostas polêmicas, como a castração química de pedófilos e a volta da pena de morte, além de acusações de discriminação contra minorias étnicas e sociais.

O que o Partido Socialista fez de errado para perder a confortável vantagem que tinha nas pesquisas de intenção de voto? Formalmente, tecnicamente, nada correu mal. O governo do Partido Socialista respondeu ao fundamental na conjuntura pandêmica com indicadores positivos. Sob o ponto de vista da vacinação, também [o país já tem mais de 90% da população completamente vacinada]. Nos indicadores econômicos, conseguiu dar apoio social aos setores em crise. Sob ponto de vista do desemprego, Portugal tem hoje uma taxa de 6,3%, o que quer dizer que estamos próximos do pleno emprego.

O que então pode explicar a queda? Existem fatores subjetivos que contam muito em Portugal. Convém não esquecer que no país existe um número muito significativo do eleitorado que não se enxerga na escala esquerda-direita. É menos fixo no apoio a partidos políticos. Também aconteceram várias coisas. Em primeiro lugar, foram seis anos de governo socialista. A oposição hoje já está menos dividida. Rui Rio, enquanto principal líder de centro-direita, apresenta-se a estas eleições com o partido já mais unido, com maior probabilidade de ganhar as eleições ou de ser uma alternativa ao governo.

Rio também tem uma imagem de moderação, então mesmo a campanha do PS, baseada no alerta à ameaça da direita, tem menos capacidade de funcionar. Nota-se, na campanha eleitoral do PS, um caráter ambíguo, ora dizendo que vai fazer acordos à esquerda e estigmatizando a direita, ora estigmatizando os seus antigos parceiros de esquerda. O Partido Socialista está em dificuldades nesta campanha eleitoral.

Como têm reagido os eleitores de esquerda? Os eleitores do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista gostaram desses acordos parlamentares. Estamos a observar que o discurso dos socialistas de apelar a um enorme crescimento em seus votos como forma de punir os antigos parceiros à esquerda [por terem reprovado o Orçamento e provocado eleições antecipadas], só tem sucesso parcial.

Aparentemente, o Bloco de Esquerda vai ser punido pelo eleitorado de esquerda, mas isso não é suficiente para fazer crescer eleitoralmente o Partido Socialista. Em 2019, com a melhor conjuntura possível para o PS no poder, os socialistas tiveram 36% dos votos [sem conseguir chegar à maioria absoluta].

Qual é hoje o cenário mais provável de governo após as eleições? A hipótese mais credível, se o Partido Socialista ganhar estas eleições por 2 ou 3 pontos percentuais, será o PS formar um governo minoritário e ter, como no passado já teve, a abstenção do Partido Social-Democrata para a viabilização de um governo. Será evidentemente um governo a prazo, porque na mínima oportunidade política a direita não hesitará em tentar antecipar eleições para chegar ao poder.

Se o PSD ganhar, tentará formar um governo de coligação com Iniciativa Liberal e CDS [mais à direita], tentando, eventualmente, ao contrário do que dizem, um acordo parlamentar com o Chega. Seria instável e com uma oposição dura. São as duas hipóteses mais prováveis, mas parece que, se António Costa ficar em primeiro lugar, ele vai tentar regressar às negociações primeiro com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

O que deve acontecer com o Chega, partido de ultradireita? Nas últimas eleições, o Chega se consolidou no tecido político português. Nos pleitos municipais [em setembro de 2021], teve já um resultado satisfatório e nas legislativas provavelmente vai ter cerca de 5% ou 6%. A grande dúvida, e isto é que é o mais importante sob o ponto de vista simbólico, é se o Chega se transforma no terceiro partido no sistema partidário português. A verdade é que nestas eleições, ganhe quem ganhar, o Chega provavelmente passe a ser indispensável à direita para a formação de qualquer governo.

O sistema eleitoral português faz com que os partidos pequenos tenham grande dificuldade em eleger deputados nos círculos eleitorais do interior, mas, nas grandes metrópoles e perto delas, têm chance. Nos grandes círculos eleitorais, com 1,3% já se pode ter um deputado, em Lisboa ou no Porto.


Raio-x | António Costa Pinto

Doutor pelo Instituto Universitário Europeu, já foi professor convidado e pesquisador em instituições como Stanford, Georgetown e Princeton (EUA). Ex-presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política, foi consultor científico do Museu da Presidência da República e hoje é coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa).

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas