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The New York Times

Pandemia de influenza em 1918 ensinou que indiferença pode levar a nova onda ainda pior

Abandonar restrições na hora errada fez com que EUA enfrentasse novos surtos da doença que matou 50 milhões no mundo todo

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John M. Barry
Nova Orleans | The New York Times

De acordo com a maioria das histórias da epidemia de influenza de 1918, que matou pelo menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo, ela terminou no verão de 1919, quando a terceira onda da doença respiratória contagiosa finalmente perdeu força.

Mas o vírus continuou a matar. Uma variante que emergiu em 1920 foi suficientemente letal para justificar ter sido vista como uma quarta onda. Em algumas cidades, entre as quais Detroit, Milwaukee, Minneapolis e Kansas City, o número de óbitos foi ainda maior que o da segunda onda, responsável pela maioria das mortes pela pandemia nos EUA.

Isso ocorreu apesar de a população americana já contar com bastante imunidade natural contra o vírus da influenza, depois de dois anos com vários picos de infecção e de a letalidade viral já ter diminuído.

Enfermeira, com máscara de pano improvisada, cuida de paciente no hospital Walter Reed, em Washington, durante a epidemia de influenza; foto tirada provavelmente em 1918 ou 1919 - Harris & Ewing via Library of Congress

Durante a virulenta segunda onda, que chegou ao auge no outono (do hemisfério Norte) de 1918, quase todas as cidades dos EUA adotaram restrições. No inverno daquele ano, com a chegada de uma nova onda, menos grave, algumas cidades voltaram a impor restrições. Mas em 1920, virtualmente nenhum local reagiu: as pessoas estavam fartas da influenza, e as autoridades públicas também.

Os jornais estavam cheios de notícias assustadoras sobre o vírus, mas ninguém dava ouvidos. As pessoas da época fizeram pouco caso dessa quarta onda, e os historiadores também a ignoraram. Em 1921 o vírus passou por novas mutações, tornando-se a influenza sazonal comum. Mas o mundo já deixara de se preocupar com a pandemia muito antes disso. Não podemos repetir esse erro.

É verdade que nesse momento temos todos os motivos para estarmos otimistas. Para começo de conversa, os casos de ômicron estão em queda em muitas partes. Em segundo lugar, daqui a pouco quase a população inteira dos EUA terá sido infectada ou vacinada, o que vai fortalecer o sistema imunológico das pessoas contra o vírus como o conhecemos hoje. E, embora a ômicron seja extraordinariamente hábil em infectar as vias aéreas superiores, fato que a torna tão transmissível, ela parece menos capaz que as variantes anteriores de atingir os pulmões, de modo que é menos virulenta.

É inteiramente possível —e talvez até mesmo provável— que, diante de uma resposta imune melhor, o vírus continue a perder letalidade. De fato, existe uma teoria de que a pandemia de influenza de 1889-1892 tenha na realidade sido causada por um coronavírus chamado OC43, que hoje provoca o resfriado comum.

Por todas essas razões, nesse momento o excesso de confiança, a indiferença ou o cansaço (depois de dois anos combatendo o vírus e uns aos outros) representam um perigo.

Os sinais de que estamos fartos —ou com esperanças injustificadas— são visíveis em toda parte. Embora mais de 70% da população adulta já esteja plenamente vacinada, os avanços estagnaram, e até 27 de janeiro apenas 44% dos americanos haviam recebido a dose de reforço, que oferece proteção vital contra o risco de infectados adoecerem gravemente.

Embora a maioria de nós (especialmente pais com filhos) queira que as escolas permaneçam abertas, apenas 20% das crianças americanas na faixa dos 5 aos 11 anos estão plenamente vacinadas. Como foi o caso em 1920, as pessoas estão fartas de tomar precauções.

Essa indiferença está entregando o controle ao vírus. O resultado é que, embora a ômicron pareça ser menos virulenta, a média de mortes diárias por Covid nos últimos sete dias nos EUA já ultrapassou o pico visto com a variante delta, no final de setembro. E há mais: é possível que o vírus ainda não tenha se cansado de nós. Não obstante a probabilidade razoável de que as variantes futuras sejam menos virulentas, mutações são aleatórias. A única certeza é a de que cepas futuras que sejam bem-sucedidas vão se esquivar da proteção dada pela imunidade que temos hoje. Elas podem se tornar mais perigosas.

Foi o que ocorreu não só em 1920, com o último estertor do vírus de 1918, mas também nas pandemias de influenza de 1957, 1968 e 2009. Em 1960, nos EUA, depois de boa parte da população ter conseguido proteção, por ter sido infectada ou vacinada, uma variante levou o pico de mortalidade a superar os níveis pandêmicos de 1957 e 1958. No surto de 1968, uma cepa na Europa provocou mais mortes no segundo ano, apesar de, mais uma vez, uma vacina estar disponível e muitos já terem contraído a doença.

Na epidemia de 2009 também emergiram variantes que provocaram um aumento grande nas infecções. Um estudo feito no Reino Unido constatou "uma carga maior de doença grave no ano após a pandemia", mas "muito menos interesse público pela influenza".

Cientistas atribuíram essa indiferença ao enfoque do governo. No primeiro ano, a resposta de saúde pública foi "altamente assertiva", principalmente com a oferta de informação; não houve lockdowns. No segundo ano, descobriram os cientistas, "a abordagem foi o laissez-faire" (deixar acontecer). Em consequência disso, houve "grande número de mortes, internações hospitalares e em UTIs, muitas vezes envolvendo pessoas em idade economicamente ativa e de outro modo saudáveis".

Em vista desses precedentes, deveríamos ter cuidado. As vacinas, a nova droga retroviral paxlovid e outras podem pôr fim à pandemia a partir do momento em que bilhões de doses forem disponibilizadas globalmente —e se o vírus não desenvolver resistência a elas. Mas o fim não chegará a curto prazo.

O futuro imediato ainda depende do vírus e de como usarmos nosso arsenal atual: vacinas, máscaras, ventilação, a droga antiviral remdesivir, esteroides, o único tratamento monoclonal que ainda funciona contra a ômicron, distanciamento social e evitar multidões. Como sociedade, abandonamos em grande medida as restrições de saúde pública que constam dessa lista. Como indivíduos, ainda podemos agir.

Tradução de Clara Allain

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