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Descrição de chapéu The New York Times Rússia

Sanções contra Rússia impactam alta tecnologia e prejudicam capacidade militar

Microchips, placas de circuito, motores e outros equipamentos americanos estavam sendo usados na guerra contra Ucrânia

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Ana Swanson John Ismay Edward Wong
Washington | The New York Times

Com lupas, chaves de fenda e um toque delicado de um ferro de solda, dois homens de um grupo de investigação que rastreia armas desmontaram munições e equipamentos russos que foram capturados em toda a Ucrânia.

Durante a visita de uma semana à Ucrânia no mês passado, os investigadores desmontaram cada peça de hardware avançado russo em que puderam colocar as mãos, como pequenos telêmetros a laser e seções de orientação de mísseis de cruzeiro.

Um investigador dessolda componente de um drone de vigilância russo coletado por oficiais de segurança que trabalham na Ucrânia no mês passado. - Conflict Armament Research/The New York Times

Os pesquisadores, convidados pelo serviço de segurança ucraniano para analisar de forma independente equipamentos russos avançados, descobriram que quase todos incluíam peças de empresas sediadas nos Estados Unidos e na União Europeia: microchips, placas de circuito, motores, antenas e outros equipamentos.

"Armamentos e sistemas de comunicação avançados russos foram construídos em torno de chips ocidentais", disse Damien Spleeters, um dos investigadores da Conflict Armament Research, que identifica e rastreia armas e munições. Ele acrescentou que as empresas russas tiveram acesso a um "fornecimento constante" de tecnologia ocidental durante décadas.

As autoridades dos Estados Unidos há muito se orgulham da capacidade do país de fornecer tecnologia e munições para o resto do mundo. Mas desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, no final de fevereiro, os EUA enfrentaram uma triste realidade: as ferramentas que as forças russas estão usando na guerra muitas vezes são movidas por inovações americanas.

Ainda assim, enquanto a tecnologia criada por companhias americanas e europeias foi usada contra a Ucrânia, a situação também deu aos Estados Unidos e seus aliados uma importante fonte de influência contra a Rússia.

Os Estados Unidos e dezenas de países usaram proibições de exportação para cortar remessas de tecnologia avançada, prejudicando a capacidade da Rússia de produzir armas para substituir as que foram destruídas na guerra, segundo autoridades americanas e europeias.

Na quinta-feira (2), o governo do presidente Joe Biden anunciou mais sanções e restrições à Rússia e à Belarus, acrescentando 71 organizações a uma lista oficial que as impede de comprar tecnologia avançada. O Departamento do Tesouro também anunciou sanções contra uma empresa de gerenciamento de iates que trabalha para oligarcas russos.

Embora alguns analistas tenham recomendado cautela sobre conclusões apressadas, dizendo que as medidas levarão tempo para surtir efeito total, o governo Biden as considerou um sucesso.

Desde que os aliados ocidentais anunciaram extensas restrições à exportação de semicondutores, computadores, lasers, equipamentos de telecomunicações e outros bens, em fevereiro, a Rússia teve dificuldade para obter microchips para reabastecer seu suprimento de munições guiadas com precisão, de acordo com uma autoridade dos EUA, que, juntamente com a maioria das outras entrevistadas para esta reportagem, falou sob a condição de anonimato por se tratar de assuntos baseados em inteligência.

Na terça, dia 31 de maio, quando perguntada se a escassez de chips estava prejudicando os militares russos, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, que supervisiona os controles de exportação, disse que a resposta foi um "sim incondicional".


"As exportações americanas para a Rússia nas categorias em que temos controles de exportação, incluindo semicondutores, caíram mais de 90% desde 24 de fevereiro", disse ela. "Isso é paralisante."

As restrições interrompem as exportações tecnológicas diretas dos Estados Unidos e dezenas de nações parceiras para a Rússia. Mas elas também vão além das tradicionais sanções de guerra emitidas por Washington, impondo limitações a bens de alta tecnologia que são fabricados em qualquer lugar do mundo usando máquinas, softwares ou projetos americanos. Isso significa que os países que não estão na coalizão de sanções com os Estados Unidos e a Europa também devem seguir as regras ou potencialmente enfrentar suas próprias sanções.

A Rússia parou de publicar dados comerciais mensais desde a invasão, mas os dados alfandegários de seus principais parceiros comerciais mostram que os embarques de peças e componentes essenciais diminuíram acentuadamente. De acordo com dados compilados por Matthew C. Klein, pesquisador econômico que acompanha o efeito dos controles de exportação, as importações russas de produtos manufaturados de nove grandes economias para as quais há dados disponíveis caíram 51% em abril, em comparação com a média de setembro a fevereiro.

A Rússia é um dos maiores exportadores de armas do mundo, especialmente para a Índia, mas sua indústria depende muito de insumos importados. Em 2018, fontes russas atenderam apenas cerca de metade dos equipamentos e serviços militares de que o país precisava, como equipamentos de transporte, computadores, equipamentos ópticos, máquinas, metais fabricados e outros bens, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico compilados por Klein.

O restante dos equipamentos e serviços usados pela Rússia foram importados, com cerca de um terço vindo dos Estados Unidos, Europa, Japão, Taiwan, Austrália e outros governos parceiros que impuseram sanções conjuntas a Moscou.

Autoridades dos EUA dizem que, juntamente com uma ampla variedade de outras sanções que proíbem ou desencorajam as relações comerciais, os controles de exportação têm sido altamente eficazes. Eles indicaram fábricas de tanques russas que dispensaram trabalhadores e lutaram com a escassez de peças. O governo Biden também recebeu relatos de que os militares russos enfrentam dificuldades para encontrar peças para satélites, aviônica e óculos de visão noturna, dizem autoridades.

As restrições tecnológicas também prejudicaram outras indústrias russas, segundo autoridades dos EUA. Equipamentos para a indústria de petróleo e gás foram degradados; a manutenção de tratores e equipamentos pesados fabricados pela Caterpillar e a John Deere foi interrompida; e até 70% dos aviões comerciais operados por companhias aéreas russas, que não recebem mais peças de reposição e manutenção da Airbus e da Boeing, estão aterrados, dizem as autoridades.

Componentes de um computador de bordo de um míssil de cruzeiro russo coletados na Ucrânia - Conflict Armament Research/The New York Times


Mas alguns especialistas emitiram notas de cautela. Michael Kofman, diretor de estudos da Rússia no CNA, um instituto de pesquisa em Arlington, na Virgínia, expressou ceticismo sobre algumas afirmações de que os controles à exportação estavam forçando o fechamento de algumas fábricas de tanques e outras empresas de defesa na Rússia.

"Não há muitas evidências para fundamentar relatos de problemas no setor de defesa da Rússia", disse Kofman. Ainda é muito cedo na guerra para esperar problemas significativos na cadeia de suprimentos na indústria de defesa russa, afirmou ele, e a origem dessas afirmações iniciais não é clara.

Autoridades dos EUA dizem que o governo russo e as empresas do país estão procurando maneiras de contornar os controles, mas até agora não tiveram sucesso. O governo Biden ameaçou penalizar qualquer empresa que ajude a Rússia a escapar das sanções, cortando-a do acesso à tecnologia dos EUA.

Em entrevista no mês passado, Raimondo disse que os Estados Unidos não estavam vendo nenhuma evasão sistemática dos controles de exportação por nenhum país, incluindo a China, que se alinhou com a Rússia antes e durante a invasão da Ucrânia. As empresas estavam tomando decisões independentes de não se envolver com a Rússia, apesar de o país "tentar muito contornar" a coalizão global de aliados que impôs controles de exportação, disse Raimondo.

"O mundo sabe o quanto somos sérios, e também nossos aliados, em processar qualquer violação", disse ela. "Haverá consequências reais para quaisquer empresas ou países que tentarem contornar os controles de exportação."


Os dados comerciais chineses também sugerem que a maioria das empresas está seguindo as restrições. Embora a China continue comprando energia russa, as exportações chinesas para o país caíram drasticamente desde a invasão.

Mas Spleeters disse que os militares russos usaram métodos criativos para contornar restrições anteriores às importações de tecnologia —como comprar produtos estrangeiros por meio de empresas de fachada, terceiros países ou distribuidores civis—​ e podem recorrer aos mesmos métodos para contornar sanções.

A pesquisa da Spleeters revelou esforços de alguns atores para disfarçar a presença de tecnologia ocidental em equipamentos russos. Durante sua viagem a Kiev, capital da Ucrânia, Spleeters e seu colega desaparafusaram três estojos de rádios avançados Azart criptografados, que fornecem canais de comunicação seguros para as forças russas.

Eles descobriram que os dois primeiros continham microchips com partes de suas marcas de fabricação cuidadosamente apagadas, aparentemente um esforço para disfarçar sua origem. Mas dentro do terceiro rádio havia um chip idêntico que escapou aos censores russos, mostrando que tinha sido feito por uma empresa sediada nos Estados Unidos. (Spleeters disse que seu grupo não divulgaria os nomes dos fabricantes até que ele enviasse pedidos de informação a cada empresa perguntando como seus produtos acabaram nas mãos dos militares russos.)

Spleeters disse que não está claro quem alterou as marcações ou quando os chips foram entregues à Rússia, mas que a tentativa de mascarar sua origem foi intencional. Em 2014, após a invasão russa da Crimeia, os Estados Unidos impuseram restrições amplamente unilaterais ao envio de itens de alta tecnologia que poderiam ajudar as capacidades militares russas.

"Ele foi cuidadosamente apagado, talvez com uma ferramenta para tirar apenas uma linha das marcações", disse Spleeters. "Alguém sabia exatamente o que estava fazendo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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