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Guatemala está no caminho do autoritarismo, diz filho de jornalista preso

Fundador de El Periódico foi detido no fim de semana em meio a avanços do presidente contra instituições

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Buenos Aires

O veterano jornalista guatemalteco José Rubén Zamora, 65, estava em casa com netos e familiares na noite de sexta-feira (29) quando a polícia chegou. Depois de mais de seis horas mantendo a todos dentro da residência, os oficiais levaram Zamora preso, sem explicar as razões.

Enquanto isso, as instalações do jornal do qual ele é fundador, El Periódico, sofriam um processo de busca e apreensão. Seus jornalistas e funcionários permaneceram mais de 12 horas detidos, sem receber comida ou água, até que os policiais saíssem.

O jornalista da Guatemala José Ruben Zamora após ser preso - Johan Ordonez - 31.jul.22/AFP

"É uma arbitrariedade. Há 30 anos meu pai expõe casos de corrupção de vários governos", afirmou à Folha José Carlos Zamora, 45, filho do jornalista, que se encontra em Miami. "Estou angustiado porque minha mulher e meus filhos pequenos estavam lá e passaram por horas de terror, além de terem visto o avô ser levado [pela polícia]."

Zamora é um dos jornalistas mais reconhecidos do país, tendo ganhado o prêmio Maria Moors Cabot, outorgado pela Universidade de Columbia, por "promover a liberdade de imprensa e o entendimento interamericano". Além de El Periódico, ele fundou outros dois jornais, Siglo Veintiuno e Nuestro Diario.

A procuradoria guatemalteca afirma que as ações são parte de uma investigação sobre suspeita de lavagem de dinheiro —a qual Zamora classifica de mentira. Ao ser levado, o jornalista afirmou ser um preso político. A primeira audiência sobre o caso, que havia sido marcada para esta segunda-feira (1º), foi adiada sob a alegação de problemas na agenda do juiz responsável.

José Carlos, que viajará para a Guatemala para acompanhar as audiências e tentar libertar o pai, diz que está​ muito preocupado com a escalada da perseguição a opositores e jornalistas no país. "Não gostaríamos de passar a ser como a Nicarágua, mas parece que vamos por esse caminho."

A prisão de Zamora se insere em um contexto de desmonte das estruturas que haviam transformado a Guatemala num caso de sucesso na investigação e na punição de crimes de corrupção.

A Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), órgão criado pelo governo com a participação das Nações Unidas, desvelou diversos escândalos. Atuou entre 2006 e 2019 e, em 2015, apresentou as evidências de desvio de verba pelo próprio presidente à época, Otto Pérez Molina, que renunciou em meio a um processo de impeachment e foi preso. Além dele, a CICIG ajudou a desmantelar 70 estruturas de corrupção e fez denúncias que geraram mais de 400 prisões.

Jimmy Morales, que assumiu a Presidência em 2016, a princípio apoiou o colegiado. Quando seus familiares passaram a aparecer em casos de corrupção, porém, ele começou a criticá-lo e, em seguida, a desmontá-lo, impondo obstáculos a sua atuação e depois expulsando do país promotores e magistrados que trabalhavam com a entidade.

Na gestão de Alejandro Giammattei, o avanço contra a Justiça é ainda mais contundente. Além de expulsar completamente a CICIG, o presidente iniciou um processo de demissão de vários promotores e juízes que atuavam em casos de corrupção —há mais de 30 deles hoje no exílio.

"Agora creio que estão no próximo passo. Depois de avançarem contra a Justiça e desmontarem a CICIG, estão calando a imprensa, porque muitas das denúncias que foram investigadas nos últimos anos foram alimentadas por denúncias publicadas no jornal de meu pai, que sempre fez questão de se manter no jornalismo investigativo a qualquer custo", afirma José Carlos.

Greve de fome

José Rubén Zamora havia iniciado uma greve de fome, mas foi demovido da ideia pela esposa, que o visitou na prisão. "Não sabemos quanto isso vai durar. Que bom que minha mãe o convenceu a comer", diz o filho do jornalista. "Nossa esperança é que ao menos o liberem para responder em liberdade. Mas como todos sabemos que se trata de uma questão política, tudo pode acontecer. Estamos muito preocupados."

A gestão de Giammattei está se tornando cada vez mais autoritária e seus avanços sobre as instituições do Estado têm chamado a atenção de organismos internacionais. Em junho deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acrescentou a Guatemala à lista de países que cometem graves violações aos direitos humanos, ao lado de Cuba, Venezuela e Nicarágua.

O departamento de Estado dos EUA, a União Europeia e as Nações Unidas também expressaram preocupação pelos ataques a juízes e jornalistas que trabalham em casos de corrupção e estão sendo perseguidos.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) pediu a liberação imediata de Zamora, enquanto a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) pediu a Giammattei garantias à liberdade de imprensa.

José Carlos conta que foi morar nos EUA quando, ainda adolescente, viu sua casa ser invadida e passou horas sequestrado por milícias paralelas do Estado. Ele, que trabalha com produção audiovisual, afirma que o pai não tem medo e vai continuar fazendo o que faz.

"É uma pena que essa ação de intimidação debilite o jornalismo local, mas esperamos que esse processo de perseguição pare, com a atenção internacional que o caso está recebendo." El Periódico, segundo ele, está com as contas congeladas e se esforça para continuar a circular, embora sem perspectiva de por quanto tempo isso será possível.

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