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Temporada letal no monte Everest resulta de ganância e emergência climática

Muitos dos que por ali se aventuram chegam despreparados, e poder local se divide entre prevenção e lucro

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Luiza Pastor

Jornalista, editora do blog "É logo ali".

O aumento da letalidade no monte Everest é mais que uma questão estatística. É resultado da soma da ganância às mudanças climáticas.

No último ano antes da pandemia de Covid, circulou por toda a mídia a imagem de uma longa fila de montanhistas tentando alcançar o cume a 8.848 metros acima do nível do mar. Com um detalhe: a partir de 8.000 metros, tudo se inclui na chamada zona da morte, onde o ser humano não foi feito para sobreviver sem apoio de oxigênio suplementar.

Guia de expedição no monte Everest, homem cavalga na vila de Khumjung, em Kathmandu, no Nepal - Robic Upadhayay - 26.mai.23/AFP

Ficar sentado na Hillary Creest, a estreita faixa que dá acesso ao pico, enquanto quem conseguiu chegar tira sua foto para a posteridade instagramática, é flertar com a morte. É certo que muitos, talvez a maioria dos que apareciam naquela imagem, precisaram desistir da empreitada e pegar o caminho de volta antes que a "janela" de acesso, que dura umas poucas horas, encerrasse o "expediente" da montanha.

Para os sherpas —pessoas que vivem nos vilarejos da cordilheira do Himalaia e, portanto, estão mais aclimatados à altitude e por décadas têm trabalhado como guias da subida—, a chegada de montanhistas de primeira escalada é um pesadelo.

Respeitadores das idiossincrasias da montanha, eles observam uma multidão de curiosos que, animados por irresponsáveis promotores de agências, querem fazer crer que subir ao ponto mais alto do planeta é pouco mais que um passeio no parque e pressionam para forçar a escalada, mesmo quando as condições não são as ideais.

Some-se a isso o cada vez mais intenso derretimento das paredes geladas, fruto da emergência climática, que provoca constantes avalanches de pequeno ou médio porte, alterando o perfil da escalada e, não raro, isolando escaladores de qualquer possível socorro em caso de emergência. A fórmula do desastre está completa.

Todo ano o governo do Nepal alerta que vai limitar o número de pessoas no Everest —e toda temporada registra recorde de permissões. Para a temporada de 2023, foram concedidas 478 autorizações, sem contar os sherpas e guias locais, que triplicam a conta.

Considerando que a temporada dura pouco mais de um mês, entre abril e o fim de maio, é possível imaginar o engarrafamento de pessoas que desembolsaram algumas dezenas de milhares de dólares para chegar até lá.

Só a autorização do governo local para tentar a escalada custou, este ano, US$ 11 mil (R$ 55 mil). Para um país de recursos limitados, com um quarto de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, e com um PIB baseado na produção de arroz e no turismo de montanha, a zona da morte e seu entorno são uma fonte de receita irresistível.

Para fingir que se preocupa com a segurança de seus visitantes, e sob pressão de entidades do esporte de todo o mundo, o governo de Katmandu estabeleceu uma regra exigindo que, para solicitar permissão de escalada ao Everest, o cidadão tem que comprovar ter subido pelo menos uma montanha acima de 6.000 metros no país.

Ainda este ano, o montanhista indiano Anurag Maloo sobreviveu a uma queda de quase 300 metros por uma fenda e a três dias enterrado na neve à espera do resgate, dificultado pelas condições climáticas em uma montanha menor que o Everest, a Annapurna, de 8.091metros acima do nível do mar. Maloo está vivo até o momento, ainda que em uma UTI da Índia, não se sabe com quais sequelas.

Essa seria sua primeira montanha acima dos 8.000 metros. A exaustão o derrubou —literalmente.

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