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Descrição de chapéu Eleições nos EUA

O que importa é emocionar: Como é um treinamento de campanha de Kamala

Folha acompanhou sessão paralela à convenção do partido democrata com Robert Creamer, consultor das campanhas de Obama e Hillary

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Chicago

Pessoas normais pensam em política, se muito, cinco minutos em uma semana. Em um país onde o voto não é obrigatório, não adianta ficar argumentando. O que motiva as pessoas é como você faz elas se sentirem.

Esse foi um dos principais pontos de um treinamento sobre os princípios da comunicação política que a Folha acompanhou nesta quarta-feira (21) —uma das várias sessões de formação que ocorrem em paralelo à convenção democrata, em Chicago. Outros temas incluem o uso de inteligência artificial e como identificar infiltrados.

Robert Cramer, consultor das campanhas de Barack Obama e Hillary Clinton, dá palestra em evento paralelo à convenção do Partido Democrata - Fernanda Perrin - 21.ago.24/Folhapress

Cerca de 20 pessoas sentadas em uma típica sala acarpetada de hotel acompanhavam uma apresentação de slides numa estética tão Windows 1998 que chegava a ser adorável. Robert Creamer, consultor das campanhas de Barack Obama em 2008 e 2012 e de Hillary Clinton em 2016, era o professor.

A ex-senadora, aliás, cometeu o maior pecado que um candidato pode fazer, disse ele: desrespeitou o eleitor. "Nada é mais difícil de ser perdoado do que o desrespeito. Foi péssimo Hillary ter falado no ‘saco de deploráveis’", apontou, relembrando a frase memorável usada pela democrata na época para se referir aos apoiadores de Donald Trump.

"Por isso é tão importante que ataquem os líderes do Maga [como é conhecida a base de Trump], mas não o Maga. Nós queremos eles", completou.

As lições de Creamer ilustram claramente a mudança de tom de campanha de Joe Biden para Kamala Harris, embora o estrategista não tenha citado o atual presidente explicitamente. Ele enfatizou, por exemplo, que uma comunicação não pode, de jeito nenhum, ser confusa. "Confusão leva à distração", disse, dando um exemplo palpável a todos: basta observar uma criança.

Para chegar ao eleitor, a campanha precisa apelar para as emoções, não adianta ficar argumentando. Tem que ser o mais simples possível: falar em certo e errado, não em propostas de políticas. "Se você ficar argumentando sobre políticas, você vai perder."

Isso vale sobretudo para um candidato que é incumbente, como Biden. "As pessoas votam olhando para o futuro, não para o passado. Se você ficar falando sobre o que você fez, vai transformar a eleição em um referendo, e você não quer isso."

Para mexer com o coração do eleitor, é preciso ser inspirador. Na prática, isso significa duas coisas: fazer as pessoas sentirem que são parte de algo maior do que elas, e que elas podem desempenhar um papel importante para alcançar esse grande objetivo. "Você precisa fazer com que as pessoas sintam que têm um sentido. Ter um sentido é a melhor forma de motivação."

Por isso, segue Creamer, "a lição número 1 da comunicação política é que você precisa fazer as pessoas sentirem: elas precisam se sentir bem sobre si mesmas, e se sentirem bem em ter você como seu líder".

Outra ferramenta valiosa de comunicação, e uma marca da campanha de Kamala em contraste com a de Biden, é o uso do humor. Ele vale tanto como uma forma de ganhar o eleitor para você, quanto para atacar o adversário sem parecer cruel.

Uma lição básica de campanha política que joga a favor dos democratas nesse momento é que é mais fácil fazer uma pessoa ir votar para evitar perder um direito do que para alcançar algo novo.

"A pior coisa que poderia acontecer com Donald Trump foi a derrubada do direito constitucional ao aborto", disse. Acusar o republicano de pretender retirar mais direitos reprodutivos se eleito é central para os democratas, e funcionou nas eleições de meio de mandato de 2022.

O alvo de toda essa estratégia, na visão de Creamer, precisa ser convencer o eleitor que já é simpático ao seu candidato a ir votar. "Se todo mundo votar, nós ganhamos. É simples assim", diz ele a repórteres após a aula.

O estrategista afirma que as principais razões para o americano não votar é o sentimento de que sua participação não importa, porque acha inconveniente, porque não tem informações, em razão de regras que impedem sua participação (exigência de documentos, por exemplo) e, principalmente, porque sentem que não têm controle sobre suas vidas –a razão predominante entre eleitores de baixa renda, disse.

Inspiração é uma forma de convencer esse grupo a ir votar. "Uma das grandes coisas que Kamala fez foi dar esperança e injetar entusiasmo", elogiou.

Mas esse caminho bonito não é o único. Outras estratégias efetivas é o comportamento de manada –como Kamala conseguiu garantir a nomeação do partido, após garantir rapidamente uma série de endossos logo após a desistência de Biden, apontou Creamer. A lógica é: se todo mundo está apoiando esse candidato, eu também vou.

Funcionam ainda o constrangimento ("se você não votar, as pessoas vão saber"), o acirramento do pleito ("a eleição vai ser muito apertada, seu voto importa") e fazer o ato de ir votar parecer algo simples. A cobrança de um compromisso também funciona. "As pessoas querem ser consistentes. Se você pergunta ‘posso contar com o seu voto’, as chances de ela votar aumentam", disse.

No rol das ferramentas comuns, estão também instigar a transformação do medo em raiva, criar uma narrativa "nós contra eles" e transformar a eleição em uma missão para punir o outro. Numa chave mais positiva, convencer que votar é uma forma de exigir respeito ou de impedir que um direito seu seja roubado são eficientes.

Mas, para Creamer, a mais efetiva de todas é simples: repetição maciça. "Eu não vou parar de te cobrar até você dizer que vai votar."

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