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Descrição de chapéu Todas aborto Kamala x Trump

Proibição ao aborto atinge também mulheres que querem ter filhos e vira disputa política nos EUA

Dez estados terão plebiscitos sobre o tema em novembro, em paralelo à eleição presidencial

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Washington

Dani, 43, engravidou 11 vezes. Mãe de dois filhos, um de 21 e outro de 18 anos, sofreu 8 abortos espontâneos e fez um aborto voluntário em 2013.

Agora, a americana quer um terceiro filho –e, para isso, planeja se mudar de Missouri para o vizinho Illinois.

"Eu vou fazer fertilização in vitro (FIV) e sou de alto risco. Então, preciso que o aborto seja uma opção. Missouri não oferece proteção a nenhum desses procedimentos", diz Dani, que pediu à Folha para ter seu nome completo preservado.

Dominado pelos republicanos, o estado é um dos 14 em que o procedimento foi proibido após a Suprema Corte derrubar, em 2022, a histórica sentença Roe v. Wade, que garantiu o direito à interrupção voluntária da gravidez nos EUA por 50 anos.

Agora, cada estado pode definir sua própria lei. Dani vive sob uma das legislações mais restritivas do país, mais até do que a brasileira: não há exceção prevista para casos de estupro e incesto. O procedimento só é autorizado se há risco à vida da gestante.

"Você praticamente precisa de uma ordem judicial para obter uma curetagem. Não terei tempo para isso", diz ela, em referência à retirada de restos fetais e placentários do útero, resultantes de um aborto incompleto –seja ele espontâneo ou intencional.

Na falta do procedimento, uma mulher pode morrer por infecção ou hemorragia. No entanto, nos estados em que o aborto foi proibido, muitos médicos se negam a fazer quaisquer intervenções passíveis de serem interpretadas como abortivas por temerem processos criminais. Uma condenação prevê penas como multa, prisão e perda do registro médico.

"Muitas pessoas pensaram que derrubar a Roe v. Wade afetaria apenas essa imagem caricatural de mulheres promíscuas querendo fazer sexo sem proteção e depois abortar", afirma a pesquisadora Carrie Baker, professora do programa de estudos sobre mulheres e gênero da Smith College.

"Nós, feministas, dizemos há anos que se você proíbe o aborto, mulheres morrem. E historicamente foi isso o que aconteceu, mas não é o que vemos agora em razão das pílulas abortivas e da telemedicina", aponta a professora. Hoje, 63% dos abortos nos EUA são feitos com comprimidos de mifepristona e misoprostol, utilizados até a 11ª semana de gravidez. Eles podem ser obtidos por correio e tomados em casa.

"As mulheres cuja saúde está realmente sendo ameaçada são aquelas com gestações desejadas e que precisam de aborto por complicações em estágios mais avançados da gravidez."

Um dos casos de maior repercussão é o de Amanda Zurawski, do Texas. Ela sofreu uma ruptura de membranas com 18 semanas de uma gestação desejada, mas os médicos se negaram a fazer um aborto porque ainda conseguiram detectar atividade fetal. Três dias depois, ela voltou ao hospital com um quadro de sepse —uma condição que pode levar à morte.

Dessa vez, médicos induziram um aborto, e ela passou três dias internada na UTI. Amanda sobreviveu, mas uma de suas trompas de Falópio ficou comprometida, prejudicando sua capacidade de engravidar novamente. Ela processou o Texas junto com outras 19 mulheres que passaram por situações semelhantes, pedindo que a lei do estado seja mais clara sobre as exceções à proibição ao aborto. Elas perderam.

Ativista antiaborto vê mais derrotas em nova rodada de plebiscitos

Em todos os sete estados que realizaram plebiscitos sobre o tema, a posição pró-aborto prevaleceu. Nas eleições de meio de mandato de 2022, realizadas poucos meses após a decisão da Suprema Corte, uma esperada vitória acachapante republicana foi impedida pelo surpreendente engajamento de eleitores pró-aborto.

A eleição presidencial deste ano é a primeira nesse novo cenário. Junto com ela, outros dez estados vão pôr o aborto nas urnas –entre eles, Arizona e Nevada, dois dos sete colégios eleitorais que determinarão quem será o novo ocupante da Casa Branca.

"A última rodada de plebiscitos não foi muito boa para para o movimento pró-vida e, pelo que estou vendo das pesquisas, a próxima não deve ser muito boa também não, infelizmente", diz Matt Yonke, da Pro-Life Action League, uma organização antiaborto fundada em 1980. O único estado em que ele vê alguma chance de vitória é a Flórida, onde mudanças constitucionais exigem um percentual mais alto (acima de 60%, em vez de 50%).

Democratas contam com uma mobilização em torno dessa questão para vencer Donald Trump em novembro, acusando o adversário de querer proibir o procedimento em todo o país. A estratégia já vinha desde quando Joe Biden era o candidato, mas ganhou ainda mais peso com sua substituição por Kamala Harris, que se sente muito mais confortável para falar sobre o tema do que o presidente católico.

Se eleita, ela promete restaurar o direito ao procedimento em todo o país –"se o Congresso aprovar", ressalta, admitindo que uma ação do tipo não depende apenas dela.

Dani, por exemplo, afirma ter divergências com a chapa democrata e que não está especialmente empolgada com a eleição, mas que vai votar em Kamala. "A outra opção é perigosa demais para os americanos, especialmente mulheres e minorias", diz ela.

"Não se trata apenas de aborto, mas de controle de natalidade, de acesso à FIV. Está em jogo mulheres poderem sair de situações perigosas, em vez de outros colocarem nossas vidas em risco por convicções religiosas", afirma.

Bandeira não foi sempre democrata, e vira dilema para Trump

A centralidade da bandeira entre democratas é algo relativamente novo. Até os anos 1970, o partido tendia a ser mais refratário a ampliar o acesso ao procedimento porque tinha na sua base católicos brancos, explica a historiadora Jessica Holland, autora do livro "Uma História Ocidental do Movimento Anti-aborto".

É só após 1976, quando democratas incluem a posição pró-escolha em sua plataforma, que o movimento contrário ao procedimento se aglutina em torno do Partido Republicano. Mas, mesmo após essa divisão, houve uma tensão entre democratas e ativistas. "Os Clinton diziam coisas como ‘o aborto é ruim, mas achamos que as pessoas devem ter o direito de fazer’", afirma Holland.

Do lado republicano, Trump tenta ao mesmo tempo atrair eleitores moderados sem desagradar a sua base antiaborto. Ele nega que vá implementar uma proibição nacional e diz que sua intenção é manter o atual cenário, em que cada estado decide.

Para a ira dos conservadores, o ex-presidente retirou a condenação ao procedimento que constou por anos na plataforma eleitoral republicana. Mas, na última sexta (30), disse ser contrário à inclusão do direito ao aborto na constituição da Flórida, seu domicílio eleitoral.

"Não acho que Trump se importe tanto pessoalmente ou moralmente com a questão, mas ele sabe de que lado está sua base. Já J.D. Vance [candidato a vice republicano], acho que seja pró-vida. Mas ambos veem que falar sobre aborto é bastante tóxico", afirma o ativista Yonke.


Folha publica série sobre eleição americana

Kamala Harris e Donald Trump se enfrentam nas urnas em novembro, numa disputa cheia de reviravoltas e que deve ser acirrada. Os grandes temas que mobilizam o eleitorado dos Estados Unidos serão abordados pela correspondente Fernanda Perrin pelos próximos meses, até outubro. Imigração, economia e aborto estarão entre os assuntos presentes nas reportagens da série Kamala x Trump.

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