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Ulisses Barres de Almeida: O espaço e as periferias humanas

Presença do papa Francisco em evento sobre exploração espacial e desenvolvimento humano mostram preocupação da Santa Sé com a questão

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O papa Francisco durante audiência geral no Vaticano, nesta quarta-feira (4) - Tiziana Fabi/AFP

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Desde os meses iniciais de seu pontificado, o papa Francisco tem convidado a Igreja e a sociedade em geral a ir às periferias do mundo e da existência. Num discurso em 2013, afirmou que “entendemos a realidade apenas quando a observamos da periferia, e não quando nosso olhar é colocado num centro equidistante de tudo”. 

Desde tempos imemoriais, o espaço tem sido —e é cada vez mais concreta e enfaticamente— nossa periferia geográfica extrema, donde emergem novas perspectivas sobre a existência e novas possibilidades para o futuro da humanidade.

É um fato evidente a todos que muito da nossa vida atual depende da tecnologia espacial e dos usos que fazemos do espaço, e que no futuro esta interdependência deverá apenas aumentar.

Tal perspectiva será o contexto do Unispace+50, o quarto encontro global para discutir os usos e a exploração pacífica do espaço, que a ONU organizará em junho, em Viena. Como parte das preparações para essa reunião, realizou-se, em 27 de Março, em Castel Gandolfo —a residência de verão dos papas, onde tem sede a Specola Vaticana—, um encontro coorganizado pelas Nações Unidas e a Santa Sé sobre o tema da “Exploração Espacial e o Desenvolvimento Humano”.

O seminário reuniu especialistas de organizações governamentais e privadas de todo o mundo para ouvir exemplos de ações e discutir quais serão os próximos passos necessários para garantir que “os recursos advindos da exploração espacial possam concorrer simultaneamente para o avanço da humanidade, da justiça e da paz”.

A muitos leitores poderá parecer estranho que a Santa Sé mantenha estreita relação com a pesquisa astronômica, ao manter um observatório dentro de Vaticano, ou se preocupe com questões relativas à exploração espacial. Essa relação é, no entanto, mais significativa do que possa parecer à primeira vista.

O discurso de abertura da primeira reunião Unispace, em agosto de 1968, foi proferido pelo papa Paulo 6º. Em sua intervenção inaugural, o pontífice reconheceu o papel da Santa Sé de recordar ao mundo os princípios morais e espirituais fundamentais do homem, lembrando que “muito frequentemente, os avanços técnicos e científicos não são sempre seguidos de comparável progresso em moralidade, legislação e cooperação internacional”, elementos estes sem os quais nenhuma empresa humana pode servir integralmente à paz e ao verdadeiro bem comum da sociedade. 

Já naquela época, Paulo 6º chamou a atenção para a responsabilidade que necessita acompanhar a empresa da exploração espacial num mundo crescentemente desigual, ao questionar que, “se os benefícios dos usos do espaço forem colocados em detrimento da justiça, para o único proveito de um pequeno grupo de nações, à exclusão das demais, […] quem então não poderá reconhecer que estas recentes e maravilhosas descobertas da ciência se voltarão contra o homem, e servirão à sua infelicidade ao invés de sua felicidade?”

No dia seguinte ao seminário em Castel Gandolfo, os participantes do encontro tiveram audiência com o papa Francisco, na Praça de São Pedro. O encontro com o pontífice e sua exortação para “ir adiante” e continuarmos os esforços em colocar o espaço e suas aplicações ao serviço da humanidade me recordaram de sua afirmação sobre as periferias. E de que existe uma periferia mais extrema e mais fundamental do que aquela espacial, mesmo se frequentemente neglicenciada: a periferia humana.

Neste período pascal é propício refletir —principalmente aqueles de nós responsáveis por ações com potenciais impactos sociais— que o progresso e as possibilidades que ele abre, no campo do espaço como qualquer outro, não são jamais um fim em si, mas que estes devem se orientar para ir de encontro às múltiplas periferias humanas, as quais permanecerão sendo sempre seu único destino justo, sem o qual não se podem construir o futuro e a paz.

Ulisses Barres de Almeida

Doutor em astrofísica pela Universidade de Durham (Reino Unido) e pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)

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