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Ana Carolina Marsicano e Tabata Pastore Tesser

Terrivelmente católicos?

Mais setores abraçam a pauta ultraconservadora no país

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Ana Carolina Marsicano

Doutoranda em sociologia (UFPE), integra o Laboratório de Estudos de Religião e Política (Laberp/Fundaj/UFPE) e o Grupo de Trabalho “Catolicismo e Conservadorismo” do Instituto de Estudos da Religião (Iser)

Tabata Pastore Tesser

Doutoranda em sociologia (USP), integra o Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Poder (Grepo/Unicamp) e o Grupo de Trabalho “Catolicismo e Conservadorismo” do Iser

Observamos nos últimos anos diversas análises sobre a presença de evangélicos conservadores na política, ainda que os católicos estivessem sempre presente nesses espaços de poder. A identidade católica, marca latente no Brasil, representa metade da população brasileira, segundo dados do Datafolha de 2020. No entanto, a desconfiança vem sendo direcionada exclusivamente para a presença conservadora-evangélica na política.

Na manifestação do último dia 25 de fevereiro em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na avenida Paulista, em São Paulo, apesar do palanque ter sido marcadamente evangélico, a maioria dos apoiadores era católica. Segundo o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, 43% das pessoas presentes declararam ser católicas, enquanto 29% evangélicas. De acordo com o mesmo grupo de pesquisa, no último dia 21, no ato do Rio de Janeiro, foi identificado que 38% das pessoas presentes eram católicas, frente a 33% evangélicas.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores em ato na avenida Paulista, em fevereiro - Bruno Santos - 25.fev.24/Folhapress

A radiografia da Câmara dos Deputados mapeada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) na eleição de 2022 sobre os deputados federais eleitos apontou que 235 se declaram católicos, totalizando pouco mais de 45%. Em segundo lugar ficaram os 86 deputados que se identificam apenas como cristãos. Somente na terceira colocação é que apareceram os 76 deputados que se declararam com identidade evangélica.

Para além da expressão católica no âmbito legislativo, observamos recentemente dois casos do envolvimento de setores do catolicismo em práticas antidemocráticas. Um desses casos é o papel clerical do padre José Eduardo de Oliveira e Silva, sacerdote da Diocese de Osasco (SP), que esteve envolvido nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ideólogo antiaborto, foi alvo da Operação Tempus Veritatis ao ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal parte doutrinal do esquema jurídico e informacional do golpe.

Outro polemista envolvido em caso recente foi o padre goiano Luiz Carlos Lodi, fundador e líder do centro antiaborto Pró-Vida de Anápolis (GO). O padre Lodi foi processado por danos morais e ato ilícito por impedir, mediante um habeas corpus, que uma mulher realizasse a interrupção de uma gestação legal em 2005, dada a condição do feto inviabilizar a vida extrauterina. Em março deste ano, o Tribunal de Justiça de Goiás precisou bloquear os bens da associação Pró-Vida, uma vez que o religioso não arcou com os custos legais da indenização.

A relação entre católicos conservadores, sua inserção jurídica e a promoção de uma agenda antidireitos é um dos aspectos apontados pela pesquisa "Cartografia dos Catolicismos Jurídicos Antigênero", produzido pelo Iser. O relatório mapeou a presença no país de uniões de juristas católicos como parte de uma estrutura associativa criada pelo Vaticano em 1986 e inspirada nos tribunais apostólicos de Roma.

Com participação ativa de leigos católicos e a partir de uma filosofia jusnaturalista, incidem para restringir o direito ao aborto no país. Mas não só isso. Atuam também em discussões sobre tributação, relações trabalhistas, liberdade religiosa e agronegócio para pôr em prática um ordenamento jurídico terrivelmente católico.

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