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Luiz Guilherme Piva

Desigualdade, políticas públicas e batatas

Sem a democracia, a noite vem nos envolver

Vista geral da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo - Lalo de Almeida - 16.ago.19/Folhapress

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Vou te contar. Talvez seus olhos já não possam ver, mas a desigualdade no Brasil é enorme e vem crescendo nos últimos anos.

Reportagem desta Folha, publicada no dia 20 de agosto —parte da série Desigualdade Global—, mostra que, desde 2014, o rendimento da metade mais pobre da população brasileira (71,2 milhões de adultos) caiu 17%, o dos 10% mais ricos (12,8 milhões de adultos) cresceu 2,5% e o do 1% (1,4 milhão de adultos) mais rico aumentou 10%. A primeira camada ganha até R$ 2.400 por mês; a segunda, entre R$ 8.400 e R$ 41,7 mil por mês; e a terceira, acima disso: em média, R$ 160 mil por mês.

Aqueles 71,2 milhões de adultos se apropriam de apenas 13,9% da renda nacional. E os 14,2 milhões mais ricos, de 55,5%. Destes, o 1,4 milhão mais rico fica com 28,3% da renda, a segunda maior concentração de renda do mundo —mas ali, ó: no líder Qatar, o 1% mais rico detém 29%. Para agravar: dentro dos 71,2 milhões estão 23,3 milhões que vivem na pobreza extrema (rendimento mensal menor que R$ 232) —contingente que aumentou 33% desde 2014.

Agora que você já sabe dessa onda se erguendo num mar de degradação social, violência e atraso, falemos de políticas públicas. No Brasil, elas só podem ser entendidas como tais se forem destinadas a, direta ou indiretamente, melhorar as condições de vida da maioria pobre da população.

Falo não só de ações distributivas e compensatórias, mas também daquelas voltadas à educação, ao saneamento, ao crescimento, à justiça fiscal, à ciência e tecnologia etc. Ou seja, se o objetivo final não for a melhoria das condições de vida da maioria da população —e isso significa crescimento (todos ganham), mas também desconcentração de renda (sim, uns perdem para outros ganharem)—, não estamos falando de políticas públicas.

Por quê? Porque políticas públicas demarcam a diferenciação fundamental entre espaço público e espaço privado. Discussão central na sociologia e na ciência política, o tema indica que o poder público tende sempre a ser mais voltado aos interesses econômicos mais fortes. O que mitiga essa tendência são as instituições democráticas. Movimentos sociais, partidos, eleições, justiça, imprensa e outros atuam para que a ação do Estado e do governo não seja direcionada aos vitoriosos da luta econômica. Ou: ao vencedor, as batatas, mas não todas.

O desafio, portanto, é fazer com que as políticas públicas sejam, acima de tudo, um bem público —para que não sejam usufruídas por uma parcela (a minoria privada mais rica, que tem acesso aos centros de decisão) em detrimento das outras.

Tudo isso tem um nome: política. Que é a forma pela qual atores diferentes, com interesses diferentes, disputam a obtenção de quinhões maiores de poder, cujo locus é o Estado/governo, matriz e gestor das políticas públicas. Logo, estas são, essencialmente, política.

Assim, a política no Brasil tem como missão central exatamente melhorar as condições de vida da maioria da população —a qual, na democracia, é quem julga se os gestores públicos e governantes estão cumprindo ou não essa missão e pode mantê-los ou trocá-los. Por isso, devemos sempre apostar na democracia. Senão a noite vem nos envolver.

Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

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