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Leonardo Isaac Yarochewsky

PEC das Drogas é inconstitucional

O que é considerado tráfico para alguns é apenas porte para outros

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Leonardo Isaac Yarochewsky

Advogado criminalista, é mestre e doutor em ciências penais (UFMG) e membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2023 —a "PEC das Drogas", aprovada pelo Senado Federal em dois turnos no último dia 16 e que inclui na Constituição a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita— está revestida de ilegalidade, além de flagrante inconstitucionalidade.

Para a aprovação da PEC, de acordo com o Regimento Interno do Senado Federal, "o interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, no mínimo, cinco dias úteis" (art. 362 do regimento). Esse intervalo, contudo, foi quebrado pelo Senado sem qualquer justificativa —a votação entre o primeiro e o segundo turno da referida PEC se deu em diferença de minutos— em nome da criminalização das drogas pela Constituição Federal (CF). Embora tenha se transformado em prática rotineira, tanto na Câmara como no Senado, fica evidenciada a violação do devido processo legislativo. É importante salientar que o rito de tramitação de uma PEC está fortemente relacionado à preservação da Constituição e da própria democracia.

Plantação caseira de maconha em bairro da zona norte do Rio - Ricardo Borges - 17.ago.2015/Folhapress - Folhapress

Destaca-se, também, que a Constituição veda proposta de emenda tendente a abolir, entre outros, os direitos e garantias individuais (artigo 60, § 4º, IV da CF). Ao inserir a criminalização do uso e do porte de drogas na Constituição, notadamente no título que trata "dos direitos e garantias fundamentais", a PEC afronta a Lei Maior.

Além de tudo, a criminalização do uso de qualquer droga é inconstitucional por violar o direito fundamental à intimidade e à privacidade (artigo 5º, X da CF). Como se não bastasse, a criminalização do uso de drogas viola o princípio da lesividade, segundo o qual só podem ser considerados crimes condutas que afetem bens jurídicos de terceiros ou coletivos. Pelo referido princípio à conduta interna e, portanto, que não se exterioriza lesionando direitos de outras pessoas, devem se situar fora do âmbito do direito penal, ainda que seja, no dizer de Nilo Batista, "pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente —falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal".

Não é despiciendo martelar que a criminalização dos usuários e a falta de critérios objetivos para distingui-los dos traficantes têm contribuído —em razão da seletividade do sistema penal— para o encarceramento dos mais vulneráveis (jovens negros, pobres, de baixa escolaridade e residentes das periferias).

É forçoso destacar que o que é considerado tráfico para alguns, no caso os mais vulneráveis e etiquetados pelo sistema penal, para outros é considerado porte de drogas. Como bem destacado em pesquisa ("Mapa do Encarceramento", Jacqueline Sinhoretto), "há uma aplicação desigual das regras e procedimentos judiciais". Como, por exemplo, no momento em que o policial escolhe quem deve ou não revistar. Ou a maneira de tratar uma pessoa flagrada portando uma determinada quantidade de entorpecentes. "A quantia pode ser a mesma. Determinadas pessoas podem ser acusadas por porte e outras, por tráfico", afirma a pesquisadora.

No julgamento do recurso extraordinário 635.659, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes trouxe inúmeros dados que demonstram o quanto é seletivo e altamente discriminatório o sistema penal.

No que pese o Senado Federal ter feito "ouvidos de mercador" em relação às críticas apresentadas por diversos institutos que se dedicam ao estudo do tema (IBCCrim, IDDD, Conectas, entre outros) e por inúmeros profissionais do direito e da saúde, espera-se que o STF seja prontamente provocado para declarar a inconstitucionalidade da abominável PEC das Drogas.

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