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Suzana Kahn

Muito além das energias renováveis

Transição efetiva passa pela eficiência no uso de derivados da petroquímica

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Suzana Kahn

Professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é diretora da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia)

A discussão sobre a transição energética fica desbalanceada quando o foco se limita à retirada progressiva do emprego de hidrocarbonetos fósseis, como petróleo e gás natural, da economia mundial. Essa discussão está presente em todas as Conferências do Clima (COPs), suscitando acalorados debates entre os países, setores econômicos e sociedade civil.

A discussão mais visível é acerca da migração para as fontes renováveis. No entanto, o aumento da oferta de energia renovável, apesar de louvável, é um lado da equação do chamado "phasing out" de fósseis, uma vez que a demanda por petróleo e gás natural não se restringe à necessidade de energia. São também insumos para importantes setores da economia, que é dependente de produtos da indústria petroquímica.

Usina fotovoltaica Araucária, na represa Billings, na cidade de São Paulo, é a maior usina de energia solar flutuante do país. - Eduardo Knapp/Folhapress - 26.jan.2024 - Folhapress

A cadeia da indústria petroquímica, a partir de petróleo ou gás natural, nos fornece uma série de produtos essenciais, tais como fertilizantes, embalagens, fios, cabos, conexões, isolantes, borrachas, autopeças, têxteis, produtos de higiene e de limpeza, tintas, fibras e eletrônicos, entre vários outros. O aumento populacional e a urbanização crescente continuarão a estimular o uso desses produtos, sobretudo nos países emergentes.

Fertilizantes, por exemplo, são produtos fundamentais na agricultura, pois são responsáveis pelo fornecimento de nutrientes, em especial nitrogênio, fósforo e potássio para o desenvolvimento agrícola, sobretudo para as culturas de trigo, milho e arroz. Os fertilizantes têm sua produção derivada da amônia, obtida em grande escala a partir do gás natural. Outra indústria com consumo crescente é o da moda, tanto por conta das fibras sintéticas como pelo uso de tintas, visto termos um padrão comportamental cada vez menos sustentável.

Ao se negligenciar a demanda por produtos e materiais derivados de petróleo e gás, torna-se inviável a redução da dependência dos fósseis. Assim, o debate não deve ficar restrito à busca de alternativas energéticas, mas incluir a substituição dos produtos derivados da indústria petroquímica —o que é extremamente complexo, com inúmeros impactos na economia mundial.

Sendo assim, os argumentos sobre redução de dependência de petróleo e gás devem passar pela busca da eficiência no uso dos materiais derivados da petroquímica. Das alternativas que devem ser consideradas, pode-se destacar o incremento da economia circular, a maior promoção da reciclagem, os incentivos a processos produtivos com menor intensidade no consumo de matéria-prima e também estímulos ao emprego de substitutos aos produtos petroquímicos, como biomateriais no setor da construção civil e biofertilizantes na agricultura, entre outras possibilidades.

É interessante notar que o Brasil tem todas as condições fundamentais para não só promover uma ainda maior migração para fontes energéticas renováveis, como solar, eólica, hidrelétricas e biocombustíveis, mas também para fornecimento de matérias-primas substitutas, como derivados de biomassa. É enorme o nosso potencial teórico, porém carecemos de uma estratégia para torná-lo em potencial econômico.

Sem promover a busca das soluções para a parte da equação do lado da demanda de matéria-prima, o mundo continuará dependendo de petróleo e gás por, mais que se aumente a oferta de energia renovável.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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