A nova resolução do Conselho Federal de Medicina limita os direitos das gestantes? NÃO
Recusa terapêutica analisada sob a perspectiva da mãe e do feto
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A resolução nº 2.232 expressa em seu artigo 5º: “a recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico quando caracterizar abuso de direito”. No parágrafo 1º, define abuso de direito em duas situações: 1 - recusa terapêutica que coloque em risco a saúde de terceiros; e 2 – recusa terapêutica ao tratamento de doença transmissível ou condição semelhante que exponha a população a risco de contaminação.
Em seu parágrafo 2º, o texto afirma que a “recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”. Para o Conselho Federal de Medicina, a polêmica em torno desse trecho é absolutamente infundada.
A autarquia jamais editaria uma norma que retirasse direitos das mulheres. Esse não é seu papel constitucional nem ético. O debate que se assiste é desdobramento de uma interpretação enviesada, que desconsidera os avanços previstos na regra.
Ao normatizar a recusa terapêutica, essa resolução enumerou duas situações em que ocorre abuso de direito (art. 5º § 1º I e II) e uma em que ele pode ocorrer (§ 2º). Nas duas primeiras situações, a decisão médica baseia-se a partir de um conflito de deveres para o profissional: respeitar a autonomia do paciente ou proteger a saúde de terceiros? A resposta está na resolução, que é imperativa, com o estabelecimento de abuso de direito a partir do juízo técnico do médico, que não deve aceitar a recusa terapêutica do paciente baseado na autonomia do doente, pois o interesse coletivo se sobrepõe ao individual.
Assim, o médico está autorizado a estabelecer o tratamento à força? Não, a resolução não dá tal autorização, nem poderia. Ninguém será tratado com contenção física, amarrado ou em cárcere privado por ordem médica.
A situação em que pode ocorrer abuso de direito envolve a recusa terapêutica da gestante, analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, onde, diferente das situações anteriores, adotou-se outra fórmula legislativa quando a vontade da mãe possa caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto.
Neste caso, o médico não tem o poder de decisão baseado em um juízo técnico, tendo a resolução submetida à Justiça, que terá a palavra final.
O abuso do direito de gestantes em relação ao feto se materializa em vários contextos, porém há um precedente conhecido. Nele, após aviso médico, o Ministério Público pede ao Judiciário a internação compulsória da gestante. Ela havia recusado internação para o parto de feto em sofrimento e foi concedida a liminar em benefício do nascituro. Outro exemplo é a grávida usuária de crack, internada por ordem judicial, mas que recusa tratamento.
Médicos não são juízes, promotores ou policiais, mas não podem ser omissos nessas situações. Ante o dever de sigilo e o direito ao mesmo sigilo, que é do paciente, não podem aceitar a recusa. Cabe ao médico comunicar o fato à autoridade, transferindo-lhe o sigilo, por um motivo justo. Será responsabilidade do Estado decidir.
Críticas de que o texto expõe a gestante a procedimentos como episiotomia ou manobra de Kristeller não tem lastro na realidade, pois esses temas não foram abordados pela norma. A resolução é garantia ao direito à autonomia dos pacientes, sendo sua interpretação de que atenta contra os direitos da mulher reducionista quanto a fundamentos e propósito.
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