Caixa registradora da pandemia
Houve poucos ganhos para o SUS e significativo incremento do setor privado
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Em qualquer contabilidade da pandemia de Covid-19 predominam registros com sinal negativo. Vidas, declínio econômico e instabilidade política são perdas. Na coluna dos ganhos globais ficam a expansão da saúde pública e da pesquisa, o desenvolvimento acelerado de testes e vacinas e os negócios de determinados grupos empresariais.
Os saldos mais favoráveis, gerados pelos investimentos na saúde e no apoio à preservação de empregos e empresas, expressam-se no planejamento e no início da vacinação contra o novo coronavírus. Até os países que recusaram a adoção de estratégias de isolamento social se organizaram para assegurar a imunização. Portanto, um cálculo realista do sobe e desce inclui os resultados sanitários e financeiros.
Considerando as respostas em termos de saúde e retomada da economia, delineiam-se três situações: taxas baixas de casos e óbitos, recuperação da economia e crescimento da saúde pública; número elevado de mortes, conglomerados empresariais com lucros turbinados, socorro governamental a negócios falimentares e preservação de interações entre as ciências biomédicas com indústrias setoriais; e ampliação moderada de sistemas universais de saúde com altas taxas de mortalidade e declínio econômico.
O Brasil se situa em uma categoria intermediária, a do “perde, perde”. A resposta nacional à pandemia tem sido péssima, houve poucos ganhos para o SUS e significativo incremento do setor privado.
Manaus, cidade que se tornou sede de dramas ambientais, étnicos e sanitários, teve aumento do número de leitos de CTI públicos relativamente menor do que a oferta privada. Em fevereiro de 2020, antes da pandemia, havia 248 leitos de terapia intensiva SUS e 185 privados; em dezembro, a rede pública dispunha de 780, e a que atende a clientes de planos de saúde, 595.
Apesar da nítida carência de recursos assistenciais para a maioria da população, entre março e julho o município continuou a reservar metade dos recursos para assistência a pacientes muito graves à parcela de 24,1% que têm planos de saúde.
Constatar a falta de suprimentos estratégicos não alterou o fluxo e a magnitude das entradas e saídas. O raio caiu pela segunda vez no mesmo lugar, e o cômputo para a capital do Amazonas é inequívoco: menos vidas, mais dividendos e desigualdades.
No âmbito nacional, a escalada de grandes empresas de planos de saúde e farmácias e drogarias é exuberante. Uma das heranças da pandemia é o fortalecimento desses setores. Abertura de créditos e empréstimos, facilidades para atração de investidores internacionais, aumento de preços das mensalidades de planos e redução de procedimentos eletivos —ou mesmo a venda de medicamentos isentos de prescrição relacionada à pandemia, como álcool em gel—, impulsionaram transações, incluindo a abertura de ações, fusões e aquisições.
A prosperidade do setor privado de saúde terminou por contaminar até as cadeias prejudicadas em função da queda de atendimentos eletivos. Empresas de diagnóstico, que inicialmente tiveram desempenhos negativos, reergueram-se com os testes rápidos e moleculares, realizados presencialmente ou em domicílio, financiados quase sempre diretamente pelos consumidores.
Temos superávits e déficits simultaneamente, uma equação que estimula o encontro de um culpado, seja ele o prefeito, o governador, o presidente, o capitalismo. Autoridades públicas omissas, charlatonas e negligentes são responsáveis por deficiências na oferta de recursos para a saúde. Mas não as únicas. O equilíbrio democrático inclui, além do “fora, responsáveis pela tragédia sanitária”, o “fora, isenções e estímulos fiscais”, o “fora, divulgação sistemática e consentida de ilusões sobre a privatização” e o “fora, portas giratórias”.
Mercados pujantes não são o mesmo que economias socialmente desenvolvidas. Preço alto de ações de empresas não garante direito à saúde e à infraestrutura de ciência e tecnologia para assegurar o fornecimento de oxigênio e vacinas.
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