A situação da pandemia do novo coronavírus —Covid-19— no Brasil compõe uma tragédia coletiva inquestionável. Estimativas já chegaram a mais de 215 mil mortes, e as perspectivas de cenários no curto e médio prazos não são animadoras. Apesar das heroicas conquistas da ciência no desenvolvimento de vacinas, o país ainda enfrentará muitos desafios para controlar ou ao menos mitigar a disseminação do vírus e seus impactos sobre as vidas de brasileiras e brasileiros.
Entretanto, não podemos esquecer as catástrofes humanitárias e ambientais que assolaram recentemente o território de Minas Gerais e as estruturas de mineração que, de modo dramático, ainda ameaçam paisagens e pessoas.
O rompimento da barragem de Fundão, ocorrido no complexo minerário da Samarco S.A., "joint venture" da Vale S.A. e da BHP Billiton, em 5 de novembro de 2015, causou danos ambientais numa escala sem precedentes no hemisfério Sul. O fluxo do rejeito tóxico depositado por anos na barragem destruiu vidas humanas, ecossistemas inteiros e modos de vida ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce, chegando até a costa brasileira.
Quando comunidades atingidas e instituições dedicadas à gestão ambiental e à defesa dos direitos humanos lutavam —e ainda lutam— para fazer frente aos incalculáveis danos ecológicos, econômicos e culturais do rompimento de Fundão, Minas Gerais foi palco de outra catástrofe.
Neste dia 25, completaram dois anos do maior desastre humanitário associado à mineração. O colapso da barragem B-I e, por consequência, das barragens B-IV e B-IV-A, no complexo Mina Córrego do Feijão, operado pela Vale em Brumadinho, resultou na perda de 272 vidas, sendo 11 vítimas ainda não encontradas. A sucessão de desastres segue um roteiro tragicamente anunciado e ocultado por grandes corporações, marcando mais um capítulo de destruição do patrimônio ambiental e cultural mineiro e brasileiro.
A violência da lama ainda ecoava em Brumadinho quando as investigações identificaram que a inaceitável situação de falta de segurança da barragem da Mina Córrego do Feijão era conhecida, medida e discutida pelas equipes técnicas da Vale e da empresa alemã Tüv Süd, sem que as necessárias medidas de emergência, segurança e transparência fossem adotadas para salvar vidas.
E mais, a ocultação de graves informações na caixa-preta da Vale não se limitava àquela barragem colapsada. A Vale mantinha internamente um ranking de barragens em situação inaceitável, curiosamente denominadas “Top 10”, e a “tenebrosa” Barragem I, como foi referida internamente na corporação, nem sequer ocupava o primeiro lugar.
Nestes últimos anos, as instituições mineiras se uniram e se fortaleceram na dor. Num contexto de desafios complexos e com intensidades inéditas, o Ministério Público de Minas Gerais se mobilizou e se empenhou para cumprir o seu papel constitucional na tutela dos direitos sociais e do meio ambiente.
Buscou articulação com entidades da sociedade civil e instituições municipais, estaduais e federais, celebrou acordos de ajustamento de conduta e propôs dezenas de ações judiciais. Alcançou o bloqueio de bilhões de reais e adotou medidas concretas para recuperação dos territórios devastados. Conjugando esforços com diversas instituições, lutou para garantir a segurança comunitária e ambiental ante os riscos, tecnicamente aferidos, de novos colapsos de outras barragens de rejeitos.
Após um ano de investigações conjuntas com as polícias Civil e Militar, foram produzidas provas sólidas de que os riscos eram conhecidos e de que as mortes poderiam não ter ocorrido da forma como ocorreram. O MP-MG acusou criminalmente 16 pessoas pela prática de 270 crimes de homicídio duplamente qualificados e as empresas Vale e Tüv Süd por gravíssimos crimes ambientais. Após um ano de tramitação, a ação penal segue seu curso no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sendo denegados os habeas corpus impetrados pelos acusados.
Paralelamente à resposta criminal, o questionamento sobre como evitar novos desastres é recorrente. A resposta não é simples, mas certamente passa pelo fortalecimento dos programas de integridade de grandes corporações, que devem ser efetivamente assimilados desde a presidência até o chão de fábrica.
Nesse sentido, o MP-MG ajuizou ações imputando atos de corrupção de empresa contra a Vale e a Tüv Süd, que poderão somar cerca de R$ 30 bilhões em sanções e reforçar incentivos para a construção de práticas corporativas mais éticas e transparentes.
A série histórica de desastres escancara distorções de mercado e injustiças na extração mineral no Brasil. O que se afirma desde 2015 continua atual: as catástrofes da mineração em Minas Gerais assombram a sociedade como o prenúncio de outros desastres que ainda podem assolar vidas humanas e os patrimônios natural e cultural mineiro e brasileiro. Permaneçamos vigilantes. O Ministério Público continuará firme e ao lado da sociedade.
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