Hilda, a mulher inesquecível
Quando o tal do storytelling acaba sequestrando a sua vida
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Parecia uma boa ideia. E por um tempo, até que foi mesmo. Há anos eu namorava um edifício art-déco com vista para o Aterro do Flamengo. Quase anexo ao famoso Hotel Glória, possuía a dignidade inspiradora que apenas os prédios que sobrevivem por milagre costumam ter.
A brincadeira só começou, porém, quando reparei nos dados da primeira proprietária do imóvel: Hilda K., escriturária, solteira. Ao contrário de jornalistas, que buscam se ater a fatos, roteiristas amam florear. E foi levando em conta a cena boêmia do bairro que decretei, na minha cabeça, que Hilda tinha sido vedete do teatro de revista e Certinha do Lalau. O que fazia daquele cafofo o cenário ideal para um caso de amor entre ela e um deputado da Guanabara que eu havia acabado de inventar.
“De onde você tirou essas coisas?”, perguntou uma amiga, também roteirista. “Quem disse que era vedete? Vai que cantava no rádio!”. E assim, um caô tomou conta da realidade: o chamado storytelling. Colegas de trabalho perguntavam por ela, como se existisse. “Hilda tá boa?”. “O deputado é boy lixo?”. “Você acha que ela frequentava o Tijuca Tênis Clube?”. Cada resposta alimentava a lenda urbana.
O pior veio com a decoração. Comprei um abajur que tinha um amassado. “Ah, isso aí foi Hilda. Ela deu na cabeça do deputado durante uma D.R. daquelas”. E tudo degringolou de vez quando tentei pendurar uma máscara antiga na parede. “Nem pensar”, me impediu um amigo que sequer é do ramo das invencionices. “Hilda odiava carnaval!”.
“Preciso acabar com essa história”, pensei. “E rápido”. Corri até o Instagram, taquei uma foto do edifício e redigi nota solene: “Neste simpático predinho vivia Hilda K., que escorregou do 8° andar acenando da janela... e morreu”. Postei. Nos comentários, trocentos emojis tristes. Desculpe, Hilda, foi preciso. O que me consola é saber que mantenho você viva e bem, mas incógnita, numa suíte retrô do Hotel Quitandinha em Petrópolis.
Bia Braune é roteirista e jornalista, autora do “Almanaque da TV”.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters