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Alberto Zacharias Toron

O inquérito contra os procuradores da Lava Jato no STJ tem respaldo jurídico? NÃO

Não há competência para investigar, ainda mais com interceptações ilícitas

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Alberto Zacharias Toron

Advogado e doutor em direito penal pela USP, é professor de processo penal da Faap e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

Depois que a ministra Rosa Weber determinou —em decisão densa e irrespondível, tomada no habeas corpus nº 198.013 impetrado em favor do procurador da República Diogo Castor— a paralisação do inquérito instaurado no STJ ficou fácil responder a esta pergunta. Mas o fato é que, além do regozijo pela obtenção da liminar, os procuradores que integraram a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba devem comemorar o fato de as “10 medidas contra a corrupção” não terem sido aprovadas.

É que uma delas restringia o emprego do habeas corpus, permitindo seu manejo só para os casos de prisão. Tivesse vingado a proposta autoritária e antidemocrática que esses membros da força-tarefa queriam emplacar como um avanço na luta contra a criminalidade, eles mesmos não poderiam ter se valido do remédio que queriam amesquinhar. É o velho ditado: “pimenta nos olhos dos outros...”. Sim, eles estão aliviados porque podem, como qualquer mortal, se valer do habeas corpus. Viva a democracia!

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato - Reprodução Facebook Roberson Pozzobon

A República tem regras que balizam o funcionamento da atividade repressiva estatal tanto para viabilizá-la como para, limitando-a, impedir abusos e arbitrariedades. Se um procurador da República vislumbrou qualquer prática criminosa perpetrada por um ministro do STJ, ele tem o dever de comunicar o fato a quem tenha atribuição para investigá-lo e não investigar por conta própria. Se o fez às escondidas, pode incorrer em crime. O ministro Eros Grau, citando o grande Evandro Lins e Silva, advertiu: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente” (habeas corpus nº 94.408).

Perseguição e investigações secretas, fora do figurino legal, são a antítese do Estado de Direito e não podem ser toleradas. Correto, portanto, o desejo de que os que, eventualmente, praticaram atos ilegais sejam investigados, mas eles também têm direitos e garantias que precisam ser respeitados.

A decisão da ministra Rosa Weber, que determinou a paralisação do inquérito no STJ, esclareceu algumas coisas: 1 - o regimento interno do STJ não tem o mesmo status do regimento do STF, que, pela Carta anterior, tinha força de lei e foi recebido pela atual Constituição. Assim, a portaria instituída pelo STJ não ampara o inquérito; 2 - o STJ não tem competência para, por vontade própria, investigar membro do Ministério Público Federal; e, mais importante, 3 - não pode fazê-lo com base nas interceptações ilícitas, pois a Constituição Federal proclama serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, inc. LVI).

Sobre o tema da inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas para condenar, ou mesmo investigar, ninguém melhor (e mais insuspeito) que o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff (PT), professor José Eduardo Cardozo, para dizer que nossas autoridades “não devem usar o ilícito como prova para punir, mas investigar seriamente os abusos evidentes” (“Operação Spoofing: verdades e mentiras”, site do Prerrogativas, em 14/4/2021).

Enfim, tinha razão Michel Foucault quando ensinava que as formas jurídicas interferem na descoberta da verdade. Se fosse permitida a tortura ou o uso de provas ilícitas para descobri-la, descambaríamos para um “vale-tudo” que abriria caminho para a selvageria. A conquista civilizatória do Estado de Direito, “rule of law”, não se compraz com a inobservância do figurino constitucional.

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