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Danielle Hanna Rached e Denise Vitale

Na emergência climática, a inércia é do Congresso

É preocupante precisarmos do atual Parlamento para gerir crise permanente

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Danielle Hanna Rached

Professora do Instituto de Relações Internacionais da USP

Denise Vitale

Professora da Universidade Federal da Bahia

As chuvas torrenciais em cidades do Rio Grande do Sul deixaram um rastro de mortes e desaparecidos e novamente nos demonstram a urgência de ações estruturais para enfrentar a emergência climática. Como agir diante da fúria da natureza?

Os relatórios científicos produzidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas há muito nos alertam sobre as consequências da ação humana predatória sobre a natureza, que desmata, emite gases poluentes, joga mercúrio nos rios e invade terras indígenas.

Visão aérea da região de Mathias Velho, em Canoas, uma das cidades atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul - Amanda Perobelli - 05.mai.2024/Reuters

Os impactos diferentes dos desastres naturais em grupos sociais específicos devem ser entendidos como produtos de injustiça social. São e serão sempre os mais vulneráveis —pobres, mulheres, crianças e negros— os mais afetados. E como a vulnerabilidade é socialmente construída, "não há nada natural nos impactos dos desastres naturais", como disseram Neumayer e Plümper. Os autores pesquisaram por que desastres naturais reduzem a expectativa de vida das mulheres e meninas mais do que a dos homens e concluíram que essa diferença é consequência "do status socioeconômico cotidiano das mulheres".

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) chegou a mencionar uma solução: "Emergência climática permanente". Teríamos que aprender a gerir riscos e não desastres, disse a ministra. É preocupante pensar que precisamos do Congresso atual para debater a importante proposta de Marina. Com a bancada ruralista no comando, há dezenas de projetos de lei que colocam em risco a proteção ambiental e os direitos indígenas. Dentre eles, PLs que autorizam o garimpo em unidades de conservação (5.822/19), que regularizam a ocupação de terras públicas (510/21 e 2.633/20) e que flexibilizam ou afastam por completo o processo de licenciamento para diversas atividades poluidoras (2.159/21).

O UOL noticiou que, dos 513 deputados, somente Célia Xakriabá (PSOL-MG) destinou verba de emenda às mudanças climáticas. Somos reféns de reivindicações contrárias ao interesse público feitas pelos políticos que compõem a base ampla do governo. E a distância entre a vontade do povo e a vontade do Congresso nunca foi tão evidente.

No Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, sozinho, acaba de desdizer o que o STF já tinha decidido: o marco temporal é inconstitucional. Suspendeu todas as ações que questionam a lei de 2023, instituidora do marco temporal das terras indígenas, e deu início a um processo de conciliação a respeito da demarcação e uso desses territórios no país. O ministro corrobora com a insegurança jurídica, agrava o conflito no campo e não demonstra preocupação com a preservação da Amazônia.

Diante de um problema tão grande, corremos o risco de jogar a culpa em nosso regime democrático. A democracia não saberia lidar com um problema que se arrasta pelo tempo, fica preso nas ciclotimias eleitorais. Tampouco se blinda contra os avanços do poder econômico. Mas a democracia é o único regime que nos permite participar, pelo voto, e exercer algum controle coletivo sobre os rumos políticos do país.

No caso do Brasil, a implementação da agenda climática foi sequestrada durante o governo Bolsonaro. É hora de libertá-la de um Congresso tão ou mais disposto a avançar nas políticas antiambientais e anti-indigenistas. Entender o significado de uma emergência climática permanente, debater quais atores devem agir nessas situações e qual o grau de participação popular pode ser um caminho para reivindicarmos maior controle sobre a pauta climática no país.

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