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Roberto Livianu, Eliana Calmon e Roberto de Lucena

Impunidade disfarçada

Prescrição retroativa em matéria de improbidade administrativa é inadmissível

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Roberto Livianu

Procurador de Justiça e doutor em direito pela USP, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

Eliana Calmon

Advogada e ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça

Roberto de Lucena

Deputado federal (Podemos-SP), é autor do projeto de lei 10.887/18, que propõe alterações na Lei de Improbidade Administrativa

Quando o notável jurista alemão Kai Ambos esteve no Brasil para palestrar, disse que nosso país não poderia ser levado a sério no plano jurídico-penal por prever em seu ordenamento a figura absurda da prescrição retroativa, inexistente na legislação de qualquer outro país —um verdadeiro monumento à impunidade criminal. Internacionalmente só existem a prescrição da pretensão punitiva (tempo que o Estado tem para acusar e processar) e a executória (tempo para execução da pena imposta).

Se o substitutivo do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) ao projeto de lei 10.887/18 for aprovado da forma proposta pelo parlamentar, Kai Ambos terá ainda mais motivos para nos criticar, pois se propõe a prescrição retroativa também em matéria de improbidade administrativa, como se no Brasil puníssemos demais a corrupção e como se fosse necessário um freio. Isso aumentaria a percepção de 93% dos brasileiros que enxergam que, aqui, os detentores do poder usam-no visando o autobenefício (fonte: Latinobarómetro), inclusive elaborando leis autoblindantes.

Zarattini propõe prazo de seis meses para a duração de uma investigação do Ministério Público, mesmo que ela seja complexa e que as testemunhas residam em outros países ou que haja provas complicadas a produzir. E, em relação ao projeto original, sugere a redução dos prazos prescricionais pela metade. Na nossa opinião, pretende-se garantir legalmente o direito à impunidade.

Antes das revisões iluministas, não havia no mundo devido processo legal com contraditório. O estabelecimento de um processo com garantias, equilíbrio no tratamento entre as partes e imposição de limites ao poder punitivo estatal pressupõe prevalência do interesse público e um garantismo que protege o acusado e também a vítima que teve seus bens jurídicos violados.

Assim, a desarrazoada proposição de despenalização administrativa das improbidades sem dano ao patrimônio público vem inserida dentro de um pacote de bondades que beneficiaria violadores da lei situados no “andar de cima” e não prestigiaria o interesse maior da sociedade, que é o combate isonômico à corrupção.

O argumento de falta de segurança jurídica, exposto no artigo “O que é moralidade para você?(7/6) e publicado nesta Folha, na verdade, é um disfarce para, aceito, legitimar o nepotismo, a “carteirada”, o desvio de doses de vacinas, o não fornecimento de informações a jornalistas demandadas a órgãos públicos com base na Lei de Acesso à Informação e muito mais. Nenhuma dessas situações gera dano ao patrimônio público propriamente dito, mas, em todas elas, violam-se os princípios da legalidade, da moralidade e, algumas vezes, da impessoalidade.

Como lembram os autores, “princípios são mandamentos nucleares de um sistema”, fazendo total sentido que as punições sejam rigorosas por suas violações. A enumeração exaustiva de condutas puníveis é exigida exclusivamente na esfera criminal, diante do princípio da tipicidade penal que a pressupõe.

Mas o direito administrativo sancionatório não exige essa lista exaustiva de condutas puníveis. A fabricação dessa pseudoexigência parece pavimentação ficcional de caminho, de forma conveniente, para a impunidade.

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