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Amanda Magalhães

O besouro atrás da orelha

Boas ideias se perdem por falta de oportunidades

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Amanda Magalhães

Economista, mentora de negócios sociais e presidente do Banco Maré, fintech de impacto social nascida no complexo da Maré, no Rio de Janeiro

“Não tenho dinheiro, mas ideias eu tenho muitas.” Esta frase ouvi —e nunca mais esqueci— de Fabiana Lopes, uma empreendedora fantástica que passou pelo Maré em Movimento, rede de apoio ao empreendedorismo nas comunidades, promovida pelo Banco Maré. Nascida nas periferias do Rio de Janeiro, ela aprendeu a fazer unhas aos 11 anos de idade e, aos 12, começou a trabalhar com faxina em casas de família. Sua mãe, que não sabia ler nem escrever, era só orgulho —para ela, sua filha havia chegado, em tão tenra idade, ao auge da carreira. Afinal, o que mais o mundo permitia sonhar?

Pois não importava o mundo, a Fabiana sonhava. E seus sonhos geraram suas grandes ideias. Estudou, especializou-se na área da beleza, tirou mais de 30 certificações internacionais como manicure. Foi mãe, viu-se sozinha criando dois filhos, abriu seu próprio salão. Na pandemia, teve que fechá-lo.

Ergueu-se, limpou seu nome, comprou sua casa própria. Saiu da favela, mas nunca a esqueceu. Fundou um projeto para ensinar jovens das comunidades a fazer unhas por um preço acessível, investiu em suas redes sociais e hoje, além de profissional da beleza respeitada, é influenciadora digital, ativista do movimento negro e inspiração para uma multidão.

As periferias transbordam histórias impressionantes, assim como a da Fabiana, de mulheres que, através do empreendedorismo, mudaram as suas vidas e as das gerações futuras. Mas esses relatos não estão sendo contados aqui para construir um discurso meritocrático em um país de desigualdades abissais. Ou para exaltar a força das mulheres, em especial daquelas negras e periféricas, como narrativa de panos quentes em problemas sociais graves. Ou ainda para romantizar a trajetória empreendedora, que supostamente tornaria tudo possível com muito trabalho e afinco. O propósito aqui é a pulga, ou melhor, o besouro Titanus (o maior entre todos os conhecidos pela ​entomologia) atrás da orelha.

Se o “mundo é movido por ideias”, quanta força motriz estamos desperdiçando? Será que estamos fazendo o suficiente para incluir financeira e produtivamente as mulheres, em especial as que compõem minorias? E dando visibilidade às suas histórias e ferramentas para o seu crescimento? Será que estamos permitindo que mais Fabianas sonhem? E que, ao sonhar, não encontrem tantas dificuldades e obstáculos no caminho? Os dados indicam que não.

Segundo o Relatório Especial Empreendedorismo Feminino no Brasil, publicado em 2019 pelo Sebrae, quase metade dos microempreendedores individuais (MEI) no país (48%) são mulheres. Entre os donos de negócio, isto é, pessoas que estão à frente de um negócio (formal ou informal), como empregador ou por conta própria, elas representam 34%. A crescente participação feminina no cenário empreendedor brasileiro, porém, não significa condições equitativas de oportunidades.

Quando o assunto é crédito, por exemplo, mulheres empresárias, que possuem CNPJ, pagam juros maiores que os homens, apesar de a taxa de inadimplência ser menor entre elas —3,7% contra 4,2% entre os homens. E as disparidades não ocorrem apenas entre homens e mulheres. Faz-se essencial levar em consideração também o recorte racial. Ainda segundo levantamento do Sebrae, 35% das mulheres brancas empreendem por necessidade, enquanto esse é o caso para 51% das empreendedoras negras.

Quando o assunto é formalização, apenas 21% das mulheres negras possuem CNPJ, ao passo que a taxa dobra entre as mulheres brancas.

Como ocorre com todo problema com raízes profundas, a solução não se apresenta de um dia para o outro. Mas isso não significa que devamos deixar de procurá-la incessantemente. Seja nas políticas públicas, nas iniciativas privadas, no debate em veículos de circulação em massa ou nos encontros cotidianos. Há de se falar sobre isso. Há de se agir. Há de se oferecer oportunidades de crescimento e capacitação para as mulheres das nossas periferias, como temos feito no Maré em Movimento.

Os obstáculos são grandes, mas a coletividade é poderosa. Ideias, nós temos muitas. E com os incentivos e recursos bem direcionados, elas transformam realidades e sociedades por inteiro. Afinal, uma gota d’água não faz onda, mas um mar de gente faz Maré.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

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