Coração de porco
Transplante com órgãos de animais, que suscita questões éticas, merece avançar
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
David Bennett Sr. tornou-se, no último dia 7, a primeira pessoa a receber um coração de porco geneticamente modificado. Até este sábado (29), estava vivo —já superando os 18 dias que Louis Washkansky, o primeiro humano a receber um transplante cardíaco (de outro humano), sobreviveu em 1967.
O caso Bennett inaugura a era dos xenotransplantes, em que utilizaremos rotineiramente órgãos, tecidos e células de outras espécies?
Para os puristas, a resposta é negativa. No início do século 20, quando o fenômeno da rejeição não era bem conhecido, cirurgiões experimentaram um pouco de tudo, com resultados pífios. Mais modernamente, a substituição de válvulas humanas defeituosas por válvulas de porcos é há anos procedimento padrão da cardiologia.
Mesmo a implantação de um coração inteiro não representa exatamente um fato inédito. Em 1984, "Baby Fae", uma recém-nascida que sofria de grave anomalia congênita, sobreviveu por três semanas com um coração de babuíno.
A grande novidade na cirurgia de Bennett, nos EUA, é que o porco doador teve seu material genético manipulado para tornar o órgão mais propício ao transplante.
Nesse processo, três genes suínos foram silenciados para impedir a produção dos açúcares que deflagram a rejeição pelo sistema imune humano, seis genes humanos foram adicionados e um gene de crescimento foi alterado.
Se tudo funcionar como a empresa que "fabrica" esses porcos, a Revivicor, pretende, o principal obstáculo à massificação dos transplantes cardíacos, que é a carência de órgãos, terá sido suprimido. Incontáveis vidas serão salvas.
Intervenções como essa sempre impõem questões bioéticas. A grande questão está em se é ético utilizar outros seres vivos como repositório de órgãos para nós.
A discussão filosófica é interessante e deve-se reconhecer que os defensores dos direitos de animais são capazes de produzir argumentos respeitáveis, mas que não sobrevivem a nossas práticas.
Num planeta que sacrifica 1,5 bilhão de porcos a cada ano para alimentação, é difícil sustentar que não podemos matar mais alguns milhares com o objetivo eticamente mais relevante de salvar vidas.
Houve alguma grita com a escolha de Bennett, que cumpriu pena por ter esfaqueado uma pessoa. Essa, porém, não deve ser uma preocupação da bioética, que julga procedimentos, não indivíduos.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters