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Para que biologizar o debate público?

O que importa são os argumentos proferidos, não as características físicas de quem os proferiu

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Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

O antropólogo Antonio Risério publicou um artigo aqui nesta Folha sobre o racismo de negros contra brancos. Artigo polêmico, que recebeu críticas e elogios. O que chama a atenção é o número de críticas que não refutam os argumentos do texto e se limitam a: 1) chamar o antropólogo e o jornal de racistas; 2) invalidar o texto porque o autor é branco.

Até mesmo quem apontou esse aspecto vazio e preconceituoso de parte da crítica sofreu ataques, como Wilson Gomes, filósofo e professor da UFBA. Gomes foi chamado de branco (apesar de ser negro) e de "preto de estimação da Casa-Grande". No mínimo curioso que um artigo que aborde o racismo nos movimentos identitários acabe recebendo ataques racistas.

Em uma discussão racional, o aspecto biológico de um ente não serve para nada —a não ser sobre temas estritamente biológicos. Ser alto ajuda a jogar basquete, ser do sexo feminino ajuda a gerar bebês, brancos têm mais chances de desenvolver câncer de pele do que negros etc. Porém, na seara cognitiva e ética, ser alto, mulher ou branco não é fator importante. Há escassez de inteligência e de caráter em todas as cores e formatos.

Usar características biológicas como argumento contra as ideias de alguém, ou para falar da inteligência ou do caráter de alguém, é uma falácia retórica (argumentum ad hominem). Além disso, é uma atitude preconceituosa (racista, sexista etc.), e é disso que trata o artigo de Risério: se você só interpreta o mundo pela chave da raça, uma hora abrirá a porta do racismo.

Assim, negros podem ser racistas (como chamar Wilson Gomes de "preto de estimação da Casa-Grande" ou discordar de um texto apontando que o autor é branco). Mulheres também podem ser sexistas: em discussões sobre a legalização do aborto, por exemplo, é comum feministas dizerem "você só é contra porque é homem!". Ora, em um debate público, o importante são os argumentos proferidos, não as características físicas de quem os proferiu.

A biologização da argumentação pública trava o debate, fundamental em qualquer democracia, e perpetua visões de mundo discriminatórias. Muitos discordam, alegando o conceito de "racismo estrutural": só é racismo se há uma estrutura de poder (política, econômica, histórica) que o sustente.

Neste caso, seria impossível que negros sejam racistas. Porém, qual é a base, a pedra fundamental, do chamado "racismo estrutural" ou do "machismo estrutural"? É justamente a chave biológica, que reduz humanos dinâmicos a objetos estanques.

Seria melhor, então, que movimentos sociais, como o identitário, buscassem quebrar essa chave biológica para que possamos abrir novas portas, menos objetificadoras e, portanto, mais humanizadas.

14ª Marcha da Consciência Negra na Avenida Paulista em São Paulo, SP,, em 2017 - Joca Duarte - 20.nov.2017/Photopress

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