"Se você tivesse que nascer outra vez, você gostaria de vir como?". Foi essa a pergunta feita pela atriz e apresentadora Taís Araújo a Xuxa Meneghel em uma edição do programa Superbonita, no canal GNT. "Taís, eu queria vir com a tua cor, o teu cabelo, a tua pele", respondeu a loira à negra. Antes mesmo de Xuxa concluir o raciocínio, Taís soltou um riso nervoso e disparou que não era fácil. "Quer mesmo?"
Quando este trecho do programa começou a circular nas redes sociais, soltei o mesmo riso nervoso e pensei: se Taís me fizesse a mesma pergunta um dia, eu diria que gostaria de nascer um homem branco, rico e num país de primeiro mundo. Eu, ao contrário de Xuxa, sei o que é reservado àqueles que nascem com uma pele um pouco mais escura ou muito mais escura num país chamado Brasil.
A única experiência exclusiva que a quantidade extra de melanina na nossa pele nos oferece é saber o que é racismo na prática. Não acho que Xuxa tenha inveja disso, mas há quem tenha. É o caso de Antonio Risério, autor do artigo "Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo", publicado nesta Folha.
Risério diz que o "racismo negro é um fato". Para provar seu ponto, o autor cita supostos episódios de violência de pessoas negras contra pessoas não negras.
Não há ninguém dos movimentos negros afirmando que pessoas negras são incapazes de ser hostis e violentas. Como seres humanos, somos capazes de sentir e de agir como outros de nossa espécie, mas o nome disso não é racismo. Racismo pressupõe poder, e o poder está na mão de pessoas brancas. Portanto, não há racismo negro —mas isso é óbvio.
O que não é tão óbvio no texto de Risério são as motivações. Seria um caso de inveja? Apesar da vastidão da língua portuguesa, o autor parece sentir uma necessidade de roubar para si uma palavra que não cabe no contexto em que ele quer usá-la. O antropólogo parece ser movido pelo mesmo sentimento que levou Xuxa a confessar que gostaria de ser negra: um desejo de poder ocupar um lugar que não é seu. A resposta da apresentadora pode ser inocente, mas o texto de Risério não é.
Há um ressentimento profundo escondido por trás de palavras como "neorracismo" e "identitarismo", usadas para descrever um mundo em que a palavra de acadêmicos brancos não é mais vista como lei, mas como um ponto de vista passível de questionamento. Um mundo em que, cada vez mais, pessoas negras podem ocupar os bancos das mesmas universidades e as páginas dos mesmos jornais antes reservados àqueles com menos melanina no corpo.
Risério disfarça sua inveja em um texto que seria melhor aproveitado em uma sessão de terapia. A despeito de malabarismos retóricos, praticar racismo segue sendo um privilégio branco.
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