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Amara Moira

Primeira morte por transfobia

Pero Correia foi o primeiro mártir da cisgeneridade no Brasil

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Amara Moira

É travesti, feminista, doutora em teoria e crítica literária pela Unicamp e autora dos livros "E se eu fosse puta" (hoo editora, 2016) e "Neca + 20 Poemetos Travessos" (O Sexo da Palavra, 2021).

Engana-se quem pensa que experiências trans/gêneras seriam coisa recente e a nossa própria história nos traz exemplos contrários. Um dos mais antigos encontra-se em carta de 1551 do jesuíta Pero Correia, em São Vicente. Ele relata que o "pecado contra natureza" (sodomia) era muito comum entre povos indígenas da região, existindo ali "muitas mulheres que assim nas armas como em todas as outras cousas seguem ofício de homens e têm outras mulheres com quem são casadas" ("Cartas Avulsas", 1931, p.97). O registro é precioso, mas olhem a continuação: "A maior injúria que lhes podem fazer é chamá-las mulheres".

Não sabemos se tais indivíduos se viam como homens ou outra categoria, mas é notável que estavam incorporados à sua sociedade. Não eram dissidentes, como pessoas trans hoje. No entanto, a despeito do que escreveu, o jesuíta irá valer-se exatamente da palavra "mulher" para designá-los. Por quê? Ao perceber que seus corpos teriam vagina, ele não consegue mais vê-los senão pelo filtro cisgênero.

Ilustração para o Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia, comemorado no dia 17 de maio - Karime Xavier - 12.mai.20/Folhapress

A citação, porém, teria ainda um desfecho: "Em tal parte lho poderá dizer alguma pessoa que correrá risco de lhe tirarem as frechadas". Ou seja, quem insiste em errar o gênero deles, pode acabar alvo de flechas. Nos primórdios da colônia, transfobia podia resultar em morte, acreditam?

Curiosamente, o que acontece três anos depois? Numa emboscada, Pero morre "varado pelas frechas dos Índios", segundo o padre Anchieta. Na sua hipótese, um espanhol que vivia entre os carijós estaria por trás da traição, mas o próprio padre não tem certeza disso.

Na dúvida, prefiro crer que, cansados de alertá-lo, tais indivíduos resolveram apelar para o recurso final, fazendo de Pero Correia o primeiro mártir da cisgeneridade no Brasil. Vivesse ele hoje, possível que os chamasse pelo menos de "pessoas que menstruam". Ou talvez não, seguisse um defensor obstinado de sua causa.

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