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Michelle Prazeres

Um ano humano

Sociedade do cansaço e o regime 24/7 deixam pessoas sem condições de sair do automatismo

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Michelle Prazeres

É jornalista, educadora e idealizadora do DesaceleraSP e da Escola do Tempo.

Na minha rede de relações, o desejo mais comum para 2023 foi esse: "Que seja leve". No dia 1º de janeiro, o clima já era outro. Sopraram ventos de esperança e os desejos já estavam mais conectados a uma espécie de convicção de que este ano será mesmo diferente. Oxalá!

2022 foi pesado. Anunciou-se uma "volta", sem saber exatamente para o que se voltava. Retomamos dinâmicas de trabalho e convívio social, ignorando que passamos por dois anos de isolamento, por centenas de milhares de perdas e lidando com a angústia diante de um governo antidemocrático e desumano.

A esperança depositada em 2023 não é vã. Temos uma radical transformação no comando do país, que deve reverberar para as vidas de cada um de nós.

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Queima de fogos na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, na virada de 2021 para 2022 - Tércio Teixeira - 1º.jan.22/Folhapress

Mas o suave, o brando e o leve não virão se não sairmos do automático. Precisamos nos empenhar em tarefas de humanização. Precisamos —urgentemente— desacelerar.

Desacelerar não é ser mais devagar. É recobrar nossos sentidos, nos reconhecer como pessoas. É se perguntar quando a velocidade faz sentido e quando não faz, mas estamos correndo apenas porque estamos no automático.

Precisamos entender que a cultura da velocidade a que estamos submetidos é também a cultura do desenvolvimento desenfreado, do consumo exacerbado, do multitarefa, do avanço tecnológico irresponsável, do excesso (des)informativo e de uma relação insustentável com a natureza e com o planeta.

Todos estes motores estão conectados e nos conduzem a um suposto progresso em um movimento frenético de paralisia (ou frenesi em suspensão), como sugere o alemão Hartmut Rosa. Estamos em um permanente movimento sem sentido. E isso nos dá uma sensação de esgotamento coletivo e individual.

O sociólogo e crítico literário Antonio Candido afirma que a luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo. Por isso o desacelerar não é uma opção individual, mas uma saída coletiva.

A sociedade do cansaço (assim nomeada por Byung-Chul Han) e o regime 24/7 produzem ambientes desumanos e pessoas encapsuladas sem condições de sair do automatismo. Precisamos desacelerar e encontrar o que resgate sentido de pertença, convivências e comunidades. Isso é politizar a agenda do cuidado e da desaceleração, questionando a concepção eurocêntrica de bem-estar e conectando-a à alternativa sistêmica do bem viver.

Existem caminhos sistêmicos para assumir nosso acordo com o suave, o leve e o brando que desejamos nas mensagens de fim de ano. Eles passam por um pacto com o decrescimento, a boniteza, a amorosidade e as comunidades que encontra ressonância em um projeto de país em reconstrução.

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