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Ivan Salomão

Eleição, economia e estupidez

Voto econômico já não ostenta a mesma importância de outrora

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Ivan Salomão

Professor do Departamento de Economia da USP e editor-chefe da revista História Econômica & História de Empresas (Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica)

Desde a paulatina consolidação das democracias representativas no século 19, diversos são os expedientes de que se utilizam os aspirantes a cargos públicos a fim de angariar a simpatia e o voto da maioria dos eleitores. A despeito das inúmeras particularidades observadas entre os distintos sistemas eleitorais, os candidatos devem, via de regra, conquistar uma parcela significativa do eleitorado —não necessariamente majoritária— para vencer o pleito.

Apesar de os fatores que norteiam a escolha por um determinado postulante serem tantos quanto possíveis, elementos de aferição necessariamente coletiva, como índices de criminalidade violenta e percepção de justiça no acesso a bens públicos, ou predicados individuais, como honestidade, religiosidade e até aparência física, figuram entre os mais intuitivos.

Ilustração de Edson Ikê - Folhapress

Em que pese a relevância da combinação de tais atributos na formação das preferências eleitorais, a sensação de bem-estar material —o chamado "feel-good factor"— ainda foi a principal variável a balizar as estratégias eleitorais no decorrer do século 20. Em condições normais de temperatura e pressão, o desempenho econômico era não apenas um ativo eleitoral fundamental para o candidato situacionista, como também um bom preditor do resultado que sairia das urnas.

Diversos são os autores que se dispuseram a analisar esse fenômeno em suas mais diferentes dimensões. Entre os economistas, a teoria mais conhecida é possivelmente a do ciclo político-econômico, explorada empiricamente em trabalhos seminais, como os de Nordhaus (1975), Hibbs (1977), Alesina (1987) e Rogoff (1990). Tais modelos sugerem a existência de um padrão na condução de política econômica: ajuste saneador no início dos mandatos para se colher, ao final da gestão, os bônus políticos decorrentes das expansões fiscal e monetária e, consequentemente, do aquecimento da atividade econômica no período pré-eleitoral.

No Brasil, a referência a esse protótipo de política econômica consagrou-se como "fórmula Campos Salles-Rodrigues Alves" —estratégia utilizada por governos tão antagônicos como os de João Goulart e os de seus algozes Castello Branco/Costa e Silva.

O presidente Campos Salles (1898-1902) e seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, levaram a cabo um duro ajuste contracionista que contribuiu para sanear as contas públicas, atenuar o recrudescimento inflacionário e revalorizar a moeda nacional. Aproveitando a abertura de um tênue espaço fiscal, Rodrigues Alves, seu sucessor, empreendeu —à revelia de seu ministro da Economia igualmente conservador, o banqueiro Leopoldo de Bulhões— uma ampla reforma urbana no Rio de Janeiro, com um programa de iluminação pública e de saneamento básico e a abertura de diversas avenidas arteriais.

Apesar de não ter feito o sucessor de sua predileção, foi a sensação concreta de progresso que consolidou a reputação do primeiro presidente reeleito (1902 e 1918) na história do Brasil.

Já a teoria do eleitor mediano, cujos princípios foram esboçados por Hotelling (1929) —e posteriormente formalizados por outros autores, como Bowen (1943) e Downs (1957)—, sugere que, em eleições majoritárias, o candidato vencedor deve oferecer propostas que se aproximem das demandas e convicções do eleitor mediano, aquele que divide o leque ideológico do eleitorado em duas partes numericamente iguais. Isso enseja alguma moderação no discurso e/ou a apresentação de resultados econômicos positivos, no caso da reeleição de um incumbente.

Conquanto válida, a vigência universal das teorias que relacionam êxito eleitoral e desempenho econômico tem sido experimentada. Se a célebre máxima de James Carville gozou de ares de verdade axiomática por mais de duas décadas, a realidade dos anos 2020 insiste em desafiá-la. Trabalhos como os de Donovan e coautores (2019), Iyengar e coautores (2019) e Ellis e Ura (2020) sugerem que o voto econômico já não ostenta a mesma importância de outrora. Os EUA de 2024 e o Brasil de 2026 estão aí para corroborar a hipótese dos autores.

Nesses "roaring twenties" às avessas do século 21, assiste-se a olhos nus à deterioração de pilares da civilização iluminista —ou, pelo menos, de fatos estilizados na literatura política—, apesar do inegável progresso econômico de que desfrutam as duas maiores economias das Américas desde o fim da pandemia de Covid-19.

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