Siga a folha

Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Entre o fascismo e o centrão, Bolsonaro visa embaçar horizonte de seu próprio impeachment

Cloroquina da política, Brasil paga muito caro pela irresponsabilidade de milhões que riram excitados

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Tales Ab'Sáber

Ensaísta e psicanalista, é autor de "Dilma Rousseff e o ódio político"

Após dois anos e meio de um governo ruim e desorganizador do país, com tentativas de destruição institucional da democracia e fortes déficits sociais, políticas irresponsáveis e desastradas de grande gravidade no mundo da vida —como na saúde pública, no ambiente e na ciência, além do lugar isolado projetado do Brasil no mundo—, com a transformação do presidente em um motoqueiro de propaganda de si mesmo, em campanha permanente, Jair Bolsonaro parece completar a sua conversão à política mais tradicional de toma lá dá cá em face ao Congresso brasileiro e seu “centrão”.

Assim, ele repõe na ordem do dia a imagem do degradado bom e velho presidencialismo de coalizão, tão apontado por tantas tragédias em outros momentos do país. No entanto, um presidencialismo de coalizão ainda pior que busca sustentar agora o próprio bolsonarismo: um projeto autoritário e policialesco da vida, totalizante, que expressa nas ruas e na internet seu desejo permanente violento e abstruso de “AI-5 com Bolsonaro no poder”.

Como o salvador do futuro Michel Temer, que por duas vezes cedeu orçamento e benefícios aos políticos do Congresso para evitar a abertura de um processo de impeachment pela revelação de suas negociações escondidas, Bolsonaro cede agora governo e gestão ao grupo de políticos do qual ele sempre fez parte, mesmo com a retórica antidemocrática que o diferenciou.

Como se sabe, tal política visa exatamente embaçar o horizonte, muito justificado pelos fatos, de seu próprio impeachment. Bolsonaro, que nas próprias palavras anacrônicas “é do centrão”, completou a volta redonda do percurso de quem nunca saiu do lugar, da sua última conversão a si próprio.

Político comum e irrelevante da direita fisiológica brasileira, chefe de família de clã rachadinho, cujos ganhos e desvios do erário eram geridos por amigos milicianos, Bolsonaro sempre circulou pelos partidos de venda de posições e de interesses na política brasileira, cada um daqueles a que já foi filiado um dia.

Partidos que ele compra agora o voto, com a facilidade tradicional: cargos de poder para seus dirigentes no Executivo e com um incrível orçamento oculto, de dinheiro direto para a compra de tratores superfaturados e outras benesses do tipo. Tudo normal no mundo da tradição edificante fisiológica da direita brasileira, que vê a política como idêntica ao interesse particular, e que deseja proteger, mais uma vez, um presidente sem legitimidade pelos próprios erros e desgoverno no Brasil.

Oscilando entre a certeza da direita fisiológica nacional de estar diante de um igual, um homem que fez carreira política no centrão, e a convocação social da parte autoritária e fora do mundo da sociedade brasileira para atacar a própria democracia que o levou ao poder, Bolsonaro completa por fim o quadro de suas posições políticas.

Da extrema direita que sempre enunciou, como político de interesse corporativo dos aposentados do Exército, de policiais e de milicianos, inimigo dos direitos humanos por proteção da caserna, e grosseiro misógino e homofóbico, no momento mesmo da expansão mundial dos direitos ao reconhecimento; a político comum do centrão na partilha do Estado, jogando o jogo direto dos interesses particulares, como os da própria família e dos desqualificados do bolsonarismo. O mesmo centrão que seu grupo ideológico criminalizava ontem —visando de fato, criminalizar a esquerda, e Lula, e apenas ele.

Bolsonaro é o maior nome, o representante real, encarnado, da política da farsa e da tragédia, com que a “nova direita” do Brasil chegou ao poder a qualquer custo.

Este movimento histórico traumático acrescentou às mazelas corruptas tradicionais da política brasileira reorganizadas a voz autoritária e inimiga da democracia, que pede instrumentos de exceção para si própria, AI-5 ad hoc, para poder melhor censurar, torturar e matar —como seus aliados e eleitores dos quartéis fizeram no passado.

Sem apresentar projeto ou razão histórica que não seja ir passando a boiada, o bolsonarismo confunde apenas quem deseja ser confundido. Uma hora com anticomunismo paranoico, outra, como paladino da falsa moral na política, outra, defendendo in extremis família e religião, que não estão sob ataque no Brasil, outra, como chefe do fundo autoritário e irresponsável nacional, e ainda outra, como político comum das práticas de interesses particulares de Estado.

Para se acreditar neste governo dissociado, como dizem os psicanalistas, é necessário que não se acredite em mais nada. Niilismo do poder, como vemos, nada é valor verdadeiro para Bolsonaro. Nem democracia, nem justiça social, certamente, nem mesmo a vida no país, tratada como temos visto.

O que temos de fato é a famosa volubilidade malévola da direita brasileira em si mesma: verdade do dia, com direito autoconcedido a falácias, mentiras e calúnias, pelo poder do dia. Para muitos, no Brasil e no mundo, sob vários aspectos e critérios, modalidade política nova de barbárie. Cloroquina da política, o Brasil paga muito caro pela irresponsabilidade dos que, aos milhões, riram excitados ao aceitarem estas novas modalidades, sem nenhum caráter, de fascismo.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas