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Descrição de chapéu Eleições SP

Marçal vai de xerife ao bíblico Davi em dia acelerado de campanha

Candidato do PRTB almoça uma marmita fit a bordo do Toyota Hilux entre entrevistas e visita a Bienal

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São Paulo

"Grava aí, ó", Pablo Marçal pede a um assessor, que ergue o celular a poucos palmos da repórter. Pronto, podemos começar.

O candidato do PRTB a prefeito de São Paulo acabou de riscar da agenda o segundo compromisso desta quarta (11), uma entrevista na TV do missionário R.R. Soares que, de última hora, adiantou para o meio dia —uma hora e meia antes do previsto. Faria o mesmo com sua visita à Bienal do Livro, levando jornalistas escalados para seguir seus passos a literalmente correr atrás da notícia.

Só quer saber de "perguntas personalíssimas" nesta entrevista à Folha. Pede que pulemos aquelas que julga já ter respondido em outras ocasiões. "É gestão do tempo, se não fica ruim demais a vida."

Também diz saber esperar sua hora. Aqui fala sobre o desejo de concorrer à Presidência. "Sou um garoto, um Davi ainda, que vai arrancar a cabeça do Golias, o [Guilherme] Boulos." Embute a referência ao rival do PSOL numa analogia bíblica que ampliará mais adiante.

"Se pegar direitinho a história de Davi, ainda vai levar algumas décadas para isso acontecer." Davi virar rei. "E eu tenho paciência. Não tem como não acontecer." Pablo virar presidente.

Pablo Marçal (PRTB) durante entrevista em dia cheio de campanha, na última quarta (11) - Folhapress

Pesquisa Datafolha divulgada no dia seguinte o colocaria com 19% na disputa, atrás de Ricardo Nunes (MDB), 27%, e Boulos, 25%.

A metáfora com as Escrituras se estende até Saul, o primeiro rei de Israel. Davi o sucedeu no trono, assim como Marçal vislumbra o posto de Jair Bolsonaro (PL) no imaginário político do país. "Davi tem que ter paciência e honrar Saul até o último dia do governo dele. Não é o fato de Bolsonaro estar inelegível que ele precisa ser desrespeitado."

É uma relação ambígua a que mantém com o ex-presidente, que lhe tascou um "arregão" e um "traidor" na semana passada. O Antigo Testamento diz que Saul foi desobediente a Deus e se lançou contra uma espada após ver os filhos morrerem. Marçal aponta isso. "Ele próprio acaba com a própria vida. [...] Na história com o Bolsonaro e com o que o Brasil vai viver está a relação de Saul e Davi."

O pastor Silas Malafaia, que o chamou de "psicopata" após um entrevero entre os dois no 7 de Setembro, também ganha papel em sua transposição da Bíblia para o Brasil de 2024: Eliabe, o irmão invejoso de Davi. Na mesma noite, às lágrimas, Marçal pediu uma oração para um "irmão" que estaria "causando transtorno entre nós, conservadores" —o que Malafaia enquadrou como jogo mental.

A prosa religiosa emerge na RIT, emissora ligada à Igreja Internacional da Graça de Deus. O entrevistador lhe pergunta se, tal qual prescrito no Evangelho de Mateus, melhor seria amar os inimigos —Boulos e Nunes, no caso. Marçal rebate: Jesus "se coloca diante de fariseus" e os define como "raça de víboras".

Alerta várias vezes sobre um suposto perigo comunista à espreita e balança chocalhos ideológicos para o eleitor conservador. "Não faz nenhum sentido a gente se curvar para a ideologia de gênero. Eu acredito em teologia de Gênesis, que é homem e mulher", diz a certa altura.

Tem mais. "Chega desse negócio de querer matar bebê dentro de barriga, de erotizar a criança na escola", defende. "O xerife Marçal está chegando."

Ele chega às 10h à sede do jornal O Estado de S. Paulo, para uma sabatina. Está de blusa roxa justa, calça jeans com a barra na altura do tornozelo e mocassim sem meia. Na mão direita, um anel dourado com "M" encravado, a inicial que forma o bordão "faz o M" e aparece no boné que ele tira e põe várias vezes ao longo do dia.

Em todos os lugares por onde passa, abundam pedidos para selfies, sobretudo das equipes de limpeza e segurança. Quando uma mulher o chama na RIT, ele faz troça com supostos elos entre pessoas que o orbitam e a maior facção criminosa do país. "Fala o nome, que depois é PCC, e eu tô enrolado."

Marçal, 37, tem um tempo a gerir. Almoça a bordo do Toyota Hilux que usa na eleição —as refeições são muitas vezes lá, em geral uma marmita fit. A preocupação com a forma acelerou após perder 25% dos 100 quilos que já teve, com ajuda do amigo e influenciador Renato Cariani, réu sob acusação de tráfico de drogas.

Também virou triatleta, correu "5 km todos os dias em 2023" e mantém academia em todas as suas residências. Na campanha, o goiano trocou um condomínio de luxo em Alphaville para morar na mansão de um aliado próxima à avenida Faria Lima. Faz questão de frisar que o imóvel é avaliado em R$ 55 milhões, e não os R$ 45 milhões relatados na mídia. Sua equipe ri com a correção.

O núcleo duro da candidatura tem mais gente de fora da política do que de dentro.

Tassio Renam, advogado e coordenador-geral da campanha, é CEO da Marçal Corp e destaca numa rede social ter sido o primeiro a "arrematar uma Ferrari no leilão". Diego Neves se descreve como "CMO [chefe de marketing] & showrunner" do candidato.

Leonardo Maiante, que cuida da logística, conta que foi aluno de Marçal e "teve a vida transformada por ele há três anos". Luma Vidal atuou em novelas da Globo e hoje é assessora de imprensa daquele a quem admira desde os tempos de coach.

Da política vêm dois nomes do governo João Doria, Filipe Sabará, que coordena o plano de governo, e o consultor político Wilson Pedroso.

O aspirante a prefeito antecipa a terceira agenda do dia, uma passagem pela Bienal do Livro em que vai defender a censura na rede de ensino municipal de obras que "deturpem a ideologia". Arrebata uma multidão por ali, na maioria crianças e adolescentes de escolas públicas que o tratam como rockstar. Algumas lhe gritam "mito", deferência comum a Bolsonaro. Um ou outro protesto pipoca aqui e acolá.

"O Código do Milhão - Como Desbloquear as Ilhas Neuronais da Riqueza" e outros livros de Marçal estão à venda. Nessa temporada política, ele diz, "gosto muito de ler o que o Fernando Henrique Cardoso fazia ali no poder". O tucano lançou diários de seus anos como presidente, pela Companhia das Letras.

É a Bíblia, contudo, que mais inspira o evangélico —prefere se declarar "cristão", mas não rejeita o rótulo— para quem "cristianismo é lifestyle". Vê-se refletido, nesta fase eleitoral, "na história de um Moisés, que vive a vida de rico e está abrindo mão dela" porque "se propõe a entrar com o povo no meio do deserto e atravessá-lo para a terra prometida".

Não nega a visão profética sobre o próprio futuro. O passo seguinte "vai ser José do Egito, a época de maior prosperidade da história do Brasil". No próximo dia 6, descobrirá se estará no segundo turno da eleição paulistana, ficará de fora da corrida ou, como é mais do seu feitio dizer, vencerá já na primeira fase.

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