Descrição de chapéu Saiu no NP

Danceteria promete carro a quem comer mais baratas e provoca alvoroço

Há 25 anos, concurso foi tema de mais de dez reportagens do Notícias Populares

Alexandre Pollara
São Paulo

Não é todo mundo que se predispõe a provar comidas exóticas, como escorpião, cigarra, cobra e larvas cruas. Agora, quando há um prêmio envolvido, tudo é possível. Foi o que aconteceu em 1993, na Grande São Paulo.

O prêmio seria dado àquele que topasse degustar um inseto que existe há mais de 300 milhões de anos e que pode viver uma semana sem beber água e até um mês sem comer. Você toparia comer baratas?

Em 19 de março de 1993, o Notícias Populares destacou: "Confirmado: quem comer baratas ganha um carro!". A manchete referia-se ao concurso "Coma a Barata", promovido pelos proprietários do Caipiródromo, danceteria sertaneja da cidade de Embu (na Grande São Paulo).

Ricardo Gutierrez, um dos donos da casa, declarou que os prêmios para quem comesse mais baratas numa noite poderiam ser de carros importados e motos japonesas a bicicletas e viagens.

O estudante Fábio Kleber dos Santos disse que come até cinco baratas - Rogério Soares - 20.mar.1993/Folhapress

Os organizadores, contudo, ainda não sabiam como as baratas seriam servidas aos participantes. "Podem ser vivas, cruas ou fritas", afirmou Gutierrez.

Um outro sócio da casa, Mário Sérgio Oliveira, revelou que já tinham sido encomendadas 400 baratas. "Acho difícil alguém comer mais que cinco", disse o empresário, que contratou médicos e até uma ambulância para o caso de alguém passar mal durante a prova.

Ao mesmo tempo em que o concurso ganhava visibilidade, o médico Eli Kahan Foigel, presidente do Departamento de Endoscopia Digestiva da Associação Paulista de Medicina, declarou ser contra a degustação de baratas. "Quem comer pode se contaminar com as bactérias dela", declarou, emendando que os candidatos "precisam é de um psiquiatra".

A promoção e o falatório chamaram a atenção até da Vigilância Sanitária do Estado, tanto que no dia 20 de março o Notícias Populares, em outra manchete, destacou: "Governo quer melar o banquete das baratas".

De acordo com a diretora da Vigilância Sanitária de Embu, Marta de Almeida, a danceteria poderia ser fechada e multada em até Cr$ 18 milhões se o "banquete" fosse realizado. "As baratas não servem para consumo humano", afirmou, ao alertar que os insetos poderiam transmitir infecções, intoxicação alimentar, febre tifoide, hepatite e até mesmo lepra. 

A direção do Caipiródromo optou pelo silêncio diante das posições do governo e de especialistas da área da saúde. E se desdobrava para dar conta dos telefones da danceteria, que ficaram congestionados de tanta procura por informações sobre o concurso.

As entrevistas realizadas pelo Notícias Populares davam a dimensão da concorrência que já existia antes mesmo da abertura das inscrições para o concurso. A funcionária pública Eliedália Lemos, 43, por exemplo, declarou que teria coragem de comer baratas para ganhar um carro, uma vez que já tinha provado lagartos no interior da Bahia. "Até 20 baratas torradas eu aguento. Não como vivas porque arrepia", afirmou Eliedália.

Já o bancário Wilson Roberto dos Santos, 29, afirmou que o fato de ter comido ratos quando fez curso de sobrevivência na selva pelo Exército o credenciava como potencial vencedor do concurso. "Cinco baratas para mim é sobremesa. Comia até para ganhar um Fusca", disse o bancário.

"Dez baratas eu só como se estiverem bem fritinhas e com limão", falou o garçom José Paiva dos Santos, 49, que caçava ratos com estilingue quando era criança para comer assados, em Minas Gerais.

No dia 21 de março, com o assunto já na boca da população, o NP publicava novidades sobre o concurso. Em "Baratas gigantes pra quem quiser o carrão", Paulo Roberto, um dos donos da danceteria, adiantou que o "prato" teria baratas indianas brancas, de aproximadamente dez centímetros. Paulo garantiu, à época: "Elas não fazem mal, até aumenta o tesão".

O concurso chegou até a ameaçar alguns namoros. O estudante Fábio Kleber dos Santos, 19, disse que comeria até cinco baratas para levar o carango, mas a namorada Viviane de Oliveira, 17, afirmou: "Ele ganha o carro e perde a namorada".

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O almoxarife Wilson Jesus Silva garante que o primeiro lugar da promoção é dele - Rogério Albuquerque - 19.mar.1993/Folhapress

Mesmo com tanta concorrência, o almoxarife Wilson Jesus Silva, de 27 anos, disse que o primeiro lugar da promoção estava no papo. "Eu fiz uma aposta. Comi as quatro baratas e ganhei 200 dólares [Cr$ 5 milhões]", afirmou Wilson, que ainda deu uma receita para depois do banquete. "Depois de comer eu tomo uma pinguinha para desinfetar e fica tudo bem."

O concurso rendeu mais de dez reportagens nas páginas do NP. Em 22 de março, o texto "Concurso da barata deixa o povo de fora" informou mudanças no concurso, relatando que os organizadores, agora, tinham determinado que a promoção seria destinada apenas a clientes do Caipiródromo.

Dois dias depois, porém, após muita pressão sobre a danceteria, o jornal informou: "425 loucos vão comer baratas" no concurso, que voltava a incluir pessoas selecionadas fora da danceteria.

Mas não era só a Vigilância Sanitária que estava de olho no concurso. Com a manchete "Secretaria da Justiça quer melar a comilança de baratas", em 25 de março de 1993, o Notícias Populares informou que os donos da danceteria foram questionados sobre as regras da promoção e os riscos que envolviam os participantes.

Depois de tanto burburinho, a danceteria enviou o regulamento à Secretaria da Justiça. E, no dia 30 de março, "Baratas de mentirinha no banquete do Caipiródromo" foi notícia no NP. Os organizadores do concurso tinham voltado atrás e iriam oferecer baratas de marzipã, uma pasta de açúcar e amêndoas.

 
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A "garota-barata" exibe o bolo em formato de uma mulher para a final do concurso "Coma a Barata" - José Luís da Conceição - 30.mar.1993/Folhapress

"Concurso das baratas vira só um sorteio por um carro", publicada em 31 de março, foi a manchete que encerrou a série de reportagens sobre o concurso. Os organizadores afirmaram que quem quisesse ganhar os prêmios sem comer a barata era só preencher uma ficha na danceteria.

Depois, os sócios da casa informaram que seriam sorteadas 850 pessoas para a final, no dia 13 de maio de 1993, e que só seis sortudos ficariam na decisão, na qual iriam comer um bolo com formato de uma mulher, a "garota-barata", para ganharem duas chaves. Os donos das chaves que fizessem o carro e a moto funcionarem levariam os prêmios.

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